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Ars nova


Ars nova


Ars nova (em português: arte ou técnica nova) foi, estritamente, um novo método de notação musical, ars nova notandi (nova técnica de notação); porém, as grandes facilidades de escrita que o método introduziu propiciaram o desenvolvimento de todo um novo estilo musical, que acabou por receber o mesmo nome, vigorando no século XIV, especialmente na França e na Itália. Em contraposição, a técnica notacional e o estilo do período precedente passaram a ser conhecidos como Ars antiqua (arte antiga). Suas principais distinções formais e estéticas em relação à fase anterior apareceram nos campos rítmico, harmônico e temático, sendo privilegiados os gêneros de música profana; também foram criadas ou se popularizaram várias estruturas novas de composição, como o moteto e o madrigal.

No terreno da notação propriamente dita aperfeiçoou-se o sistema da pauta, se modificaram desenhos e valores de várias notas e se introduziram diversos símbolos inteiramente novos, provendo para os compositores e intérpretes um instrumento gráfico muito mais flexível e exato para descrever e transmitir os avanços técnicos e os crescentes e sutis refinamentos da música prática. No final do período as inovações receberam ainda maior sofisticação, dando origem à escola chamada Ars subtilior, a arte mais sutil.

Embora dois sistemas principais de notação houvessem emergido nos cerca de 150 anos de prevalência dos princípios da Ars nova, um na França e outro na Itália, o sistema italiano não foi capaz de assegurar uma penetração em larga escala, e logo desapareceu diante da maior eficiência do sistema francês. Tantas mudanças foram o reflexo do criativo e inquisitivo período de transição entre a Idade Média e o Renascimento, quando o universo das primeiras fases da Idade Média, dominado quase monoliticamente pela Igreja Católica, deu lugar a uma sociedade mais laicizada, onde a influência do humanismo, da escolástica, de uma tendência a uma abordagem lógica e racionalista do conhecimento, e do pensamento idealista da civilização clássica greco-romana, ora redivivo, se tornaram forças determinantes em toda sua evolução. O legado dessa fase de intensa atividade e renovação da música foi, na técnica, a sistematização dos componentes essenciais do sistema de notação musical usada hoje em dia e o lançamento das bases da polifonia a várias vozes e da harmonia moderna, e, na estética, a libertação dos compositores de sua dependência das formas eclesiásticas para veicular sua melhor música, possibilitando ainda que suas personalidades criativas individuais ganhassem legitimidade e encontrassem um novo espaço de expressão. Além disso, a Ars nova foi uma inspiração para os compositores do século XX, estimulando pesquisas no terreno rítmico, perceptual, estrutural e harmônico que levaram à revolução de toda a arte musical moderna e também, especificamente, à criação da técnica serial.

Antecedentes

Ao longo da primeira parte da Idade Média, chamada convencionalmente de Alta Idade Média (476 - c. 1000), a principal forma de música erudita era no gênero sacro, cultivado pela Igreja Católica e tipificado pelo canto gregoriano. Suas fundações repousavam no canto empregado na liturgia judaica, mas logo iniciou uma evolução autônoma influenciada pelas práticas musicais do Império Bizantino e pelas das igrejas cristãs primitivas dos celtas e espanhóis, e especialmente pelo rito galicano da Igreja Católica, mas era grande a variedade de estilos e procedimentos técnicos. Durante séculos não se conseguiu uma unidade musical no Catolicismo, e somente com a reforma da liturgia empreendida pelo papa Gregório Magno se estabeleceu uma uniformização na música sacra, que recebeu o nome de canto gregoriano em sua memória. Contudo, sua transmissão e sistematização eram prejudicadas pela ausência de um sistema eficiente de notação musical. Antes do século IX as notações que se dispunham eram muito esquemáticas, e consistiam em sinais gráficos simples, os neumas, apostos sobre o texto da música como mero auxílio mnemônico para um repertório sonoro que se perpetuava basicamente pela tradição oral. Esses sinais vagos indicavam apenas os contornos gerais da melodia e não podiam assinalar com exatidão a altura das notas nem o padrão rítmico da melodia. Além disso, todo o canto gregoriano é monódico, ou seja, existe uma única linha melódica sem qualquer acompanhamento que é cantada ou por um cantor solista ou em uníssono por todo o coro.

O canto gregoriano tinha um uso em toda a liturgia católica, desde os serviços simples das Horas até a celebração mais importante, a Missa. Para cada serviço divino existia um rito próprio, com cantos especiais - hinos, antífonas, graduais, etc. - mas seu estilo era idêntico. Com o passar do tempo, fixando-se o Ordinário da Missa, a sua parte que é invariável, consolidou-se a "missa" como um gênero musical específico com uma sequência de trechos constante (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei), e pela importância da celebração de onde nasceu, também se tornou a forma musical mais prestigiada. Logo os músicos, a fim de enriquecer o ritual, passaram a estabelecer regras definidas para a composição de peças novas de canto gregoriano, o que levou ao ressurgimento formal da composição como arte por direito próprio, depois do seu virtual desaparecimento após a queda do Império Romano, e se aplicaram a escrever novas melodias também para as seções da Missa que variavam de acordo com os dias, chamadas coletivamente de o Próprio da Missa. Assim seções como o aleluia, hinos e antífonas para diversos santos, o Pai Nosso, a Ave Maria, e outras adquiriram um status de gêneros musicais autônomos.

Todas as melodias eclesiásticas gregorianas se encaixam numa das classificações de um sistema organizado em modos, diretamente derivado dos modos gregos, que eram padrões básicos para ordenar as notas dentro de uma escala diatônica. Todos os modos abrangiam apenas uma oitava cada um, e possuíam uma nota de importância central, a dominante, que fornecia uma espécie de centro de gravidade em torno do qual se estruturava a melodia, e uma nota chamada de final, onde necessariamente a melodia deveria encerrar. Os modos se dividiam em dois grupos, quatro sendo considerados autênticos e quatro deles derivados, os plagais ou falsos, que tinham a mesma final mas outra dominante e se desenvolviam dentro de uma oitava diferente. Como exemplo, o primeiro modo autêntico iniciava e terminava suas melodias na nota ré, sua dominante era o lá uma quinta acima e se desenvolvia entre ré e ré. Seu modo derivativo, o primeiro plagal, se desenvolvia na oitava de lá a lá, tinha sua final em ré e sua dominante em fá. A diferença prática mais evidente entre os modos era que a posição relativa dos semitons na escala diatônica variava, o que contribuía para dar a cada modo uma atmosfera sonora especial.

Em algum momento do século IX os compositores deram um passo crucial para o futuro desenvolvimento da música do ocidente introduzindo uma segunda linha melódica ao canto gregoriano. De início essa segunda voz, a vox organalis, imitava a linha original nota a nota, mas sendo cantada no intervalo de uma quarta abaixo da melodia principal, e esta técnica foi chamada de órganon ou organum. Entretanto, os organa iniciavam e terminavam com ambas as linhas em uníssono, de forma que para alcançar o intervalo de quarta e também para terminar a peça era necessário um pequeno movimento não-paralelo, sendo esta a tímida origem do contraponto. Na mesma época apareceu o primeiro tratado de música a sistematizar as inovações, o Musica enchiriadis, cuja autoria é controversa, que logo foi acompanhado de um comentário, o Scolica enchiriadis. O Musica enchiriadis trata da notação musical, valendo-se de um sistema especial chamado notação dasiana, analisa os modos eclesiásticos e o canto gregoriano e usa uma escala musical inspirada no sistema grego dos tetracordes. Também traz seções sobre intervalos consonantes e dissonantes e dá regras como conduzir o organum. Já o Scolica enchiriadis esclarece as teorias do outro tratado em um longo comentário três vezes mais extenso que seu original, além de enfatizar as relações da música com a matemática e usar o monocórdio para ilustrar as relações intervalares. Ambos os tratados trabalham sobre conceitos musicais que tinham conotações metafísicas a partir do pensamento idealista desenvolvido pelas escolas filosóficas de Pitágoras e Platão, que associavam a beleza, simetria e ordem com as virtudes morais e para quem a estrutura do cosmos estava fundamentada em relações matemáticas que tinham um paralelo nas consonâncias musicais. E a fim de evitar as dissonâncias no organum primitivo, entre elas o "perigoso" trítono, chamado de diabolus in musica (o diabo na música), os tratadistas admitiam alguns pontos de exceção ao paralelismo rigoroso.

No século XI o sistema notacional foi aperfeiçoado pelo monge italiano Guido d'Arezzo em seu tratado Micrologus (c. 1026), cuja teoria suplantou em poucas décadas o sistema impreciso dos neumas e outros semelhantes e deu ao mundo a primeira pauta musical, além de ter batizado as notas com seus nomes modernos. A pauta de Guido possibilitava o reconhecimento da altura exata das notas através de um quadro dividido em linhas horizontais, onde cada nota era colocada em uma posição constante, mas se trouxe um novo senso de exatidão à prática musical, também ocasionou a perda de muitas nuances de afinação microtonal e de notas de passagem que eram usadas com frequência no canto prático. Por outro lado, na mesma época em que Guido revolucionava a escrita da música, mosteiros da França central introduziram outras e importantes inovações, estas no campo da forma e estilo, e com eles a técnica do organum foi levada adiante com a libertação da vox organalis de sua estrita sujeição à linha gregoriana, permitindo-lhe livres elaborações e mesmo que ela passasse para cima da melodia original, recebendo o nome então de superius, superior, que mais tarde deu origem ao termo moderno soprano. Em contrapartida, a voz inferior, por reter a melodia gregoriana original, passou a ser chamada de tenor, de tenere, segurar, em latim, ou de cantus firmus, canto firme ou invariável. Com a flexibilização de seu movimento, a vox organalis seguiu frequentemente um movimento contrário à melodia original, salientando seu caráter contrapontístico - de "ponto contra ponto", ou "nota contra nota" - numa técnica que nesta época era conhecida como discantus e era em larga medida improvisada. Um pouco mais adiante a vox organalis se libertou também da observância do contraponto estrito, embelezando-se com melismas que chegaram a ser bastante extensos, a ponto de o tenor ser obrigado por vezes a sustentar notas por longos períodos de tempo a fim de permitir que o superius terminasse suas ornamentações, alterando assim a estrutura e o ritmo da música.

  • Pater noster, em canto gregoriano - gravação ao vivo
  • Ave Maria em canto gregoriano - gravação ao vivo

Ars antiqua

Finalmente, esses avanços foram levados a uma primeira culminação na chamada Escola de Notre-Dame, nascida no século XII no ambiente da Catedral de Notre-Dame em Paris, cujos principais mestres foram Léonin e Pérotin. Com eles o organum atingiu um novo patamar de complexidade e refinamento, tornando-se composições de grandes proporções e produzindo um efeito de impactante opulência sonora, já capazes de veicular uma verdadeira originalidade criativa individual e expressar sentimentos de intenso misticismo. Léonin trabalhou ainda principalmente a duas vozes, mas Pérotin expandiu a técnica do organum para incorporar uma terceira e às vezes uma quarta voz, e ampliando as ornamentações das vozes superiores de modo a na prática obliterar a percepção da melodia gregoriana do tenor, fazendo com que suas notas se prolongassem desmedidamente e funcionassem mais como pontos de pedal. A atenção maior da música nesta fase se dirigia, assim, para os ricos diálogos entre as vozes superiores, que já podem ser caracterizados como uma polifonia plena, além de suas complexas relações intervalares serem a base da moderna noção de harmonia. Ademais, com a interpolação de textos e melodias heteróclitos nas composições preexistentes, se deu nascimento ao moteto polifônico, uma forma que rapidamente adquiriu popularidade. Esse novo estilo foi o que mais tarde se denominou Ars antiqua ou Ars vetus (arte antiga), a base imediata para os desenvolvimentos ulteriores da Ars nova ou Ars modernorum (arte nova ou moderna). O corpo conceitual da Ars antiqua continuava adotando os princípios matemático-morais da filosofia clássica pagã, ora cristianizada, e nele o número três era especialmente privilegiado, por suas associações com a Santíssima Trindade. Daí derivou a preferência absoluta dos compositores da Ars antiqua por tempos e ritmos ternários, que se organizavam nos chamados modos rítmicos, inspirados nos metros da poesia e que se dividiam em seis padrões básicos que, contudo, podiam ser variados em três ordens cada um.

  • Pérotin - organum Quid tu vides (versão instrumental midi)
  • Pérotin - seção do moteto Sederunt principes (versão instrumental midi)
  • Uma excelente gravação do organum de Pérotin Viderunt omnes pelo Hilliard Ensemble está disponível aqui

Contexto e visão geral

A transição do século XIII para o século XIV viu uma rápida evolução na maneira de compor música erudita, com o aparecimento de formas novas e mais sofisticadas e uma progressiva e marcada tendência à secularização, a ponto de com poucas exceções toda a melhor música desse período foi profana. Parte dessa tendência se explica pelo relativo descrédito em que caiu a Igreja Católica, envilecida por seu envolvimento com as coisas do mundo e por fim submetida ao poder temporal do rei da França, que obrigou o papado a transferir sua sede de Roma para Avinhão e fez dos papas na prática seus vassalos, além de ter perseguido e desestruturado a até então poderosa Ordem dos Templários. Também contribuiu o fato de que a sociedade laica se afirmava em vista do crescimento do comércio e da crescente sofisticação das cortes principescas, que se tornavam centros de moda e cultura. O reflexo disso na música foi a popularização do moteto com texto profano como o campo experimental por excelência da música erudita, expandindo suas dimensões para obras de grande envergadura.

No fim do século XIII o ritmo binário já se percebia latente dentro do uso onipresente dos ritmos ternários, mas aquele só podia ser obtido por meios indiretos. Como o impulso para a adoção de ritmos alternativos e mais complexos crescia, se fez necessária a invenção de novos métodos de notação, que detalharam o sistema sintético de Guido d'Arezzo. A história dessa evolução é reconstituída precariamente, pela escassez de fontes. O primeiro tratado abrangente sobre notação, posterior a ensaios sumários como o anônimo Discantus positio vulgaris, de c. 1230, foi o De mensurabili musica, de Johannes de Garlândia, escrito possivelmente em torno de 1240, e praticamente todas as experimentações anteriores nesse campo permanecem não documentadas, embora o tratado de Garlândia certamente tenha usado referências mais antigas. Somente no fim do século XIII surgiu outra obra de vulto, o tratado Ars cantus mensurabilis de Franco de Colônia, um trabalho muito mais sistemático e lógico do que o de Garlândia, e que expandiu as possibilidades da notação rítmica para muito além do imaginado pelo seu antecessor, dando origem ao nome Notação Franconiana como foi conhecido o seu sistema. Apesar de seu mérito intrínseco e sua ampla divulgação, não sobrevive nenhum exemplo musical que obedeça às regras que ele propôs, e os tratados posteriores a ele se preocuparam mais em adaptar seu sistema altamente idealista às necessidades da música prática.

No início do século XIV diversos compositores e teóricos franceses já começavam a expandir os sistema Franconiano criando novos valores para as notas e introduzindo os ritmos binários, cujos metros podiam ser combinados de uma grande variedade de formas. A mais antiga fonte importante de informação sobre as práticas da Ars nova foi o tratado do astrônomo, matemático e teórico musical Johannes de Muris Notitia artis musicae, de c.1319, em dois volumes, tratando da geração do som, das proporções, da história da música, da indivisibilidade das notas básicas, da equivalência entre ritmos binários e ternários, do gamut e da teoria mensural, dividindo os tempos padrão em quatro graus. O termo específico Ars nova apareceu pela primeira vez publicado no tratado Ars Nova Musicae, escrito em torno de 1320 por Philippe de Vitry, também em dois volumes, em parte uma glosa do trabalho Plana musica de Garlândia, tratando dos intervalos, gêneros, proporções, monocórdio, notação, solmização, musica ficta e da notação mensural mais moderna de sua época, defendendo a adoção livre do ritmo binário, descrevendo a isorritmia, codificando os modos rítmicos e estabelecendo a mínima como unidade de medida básica, em valores de hoje algo entre a colcheia e a semicolcheia. A maioria das fontes posteriores referem Vitry como o inventor do sistema Ars nova, e ele foi possivelmente o seu mais ativo defensor, mas segundo Thomas Christensen o mais importante e influente compêndio de teoria Ars nova foi escrito por Muris em torno de 1340-1350, intitulado Libellus cantus mensurabilis, que permaneceu como a principal obra de referência teórica até o século XV. Entretanto, a atribuição da autoria dessas obras é controversa, há confusão com a existência de dois Johannes de Muris, um trabalhando em Oxford e outro em Paris, e já se sugeriu que a própria obra de Vitry foi uma produção do segundo Muris. Mais ou menos ao mesmo tempo, na Itália trabalhava o compositor e teórico Marchetto de Pádua, que em data ainda incerta escreveu seus influentes tratados Lucidarium in arte musice plane e Pomerium in arte musice mensurate (possivelmente entre 1310 e 1326), abordando os cromatismos, notação, história da música, canto gregoriano, ritmos, consonâncias e dissonâncias, afinação, modos, técnicas permutativas e escrita polifônica, introduzindo vários conceitos originais em relação aos franceses e fundando a escola italiana da Ars nova.

Com eles se iniciou uma fase de aguda ênfase nos processos rítmicos e notacionais baseados nas proporções matemáticas, e a partir de números simples intercambiados ora se podia criar uma imensa quantidade de efeitos práticos inauditos, o que não surpreende se sabemos que a música nessa época fazia parte do quadrivium lado a lado com a aritmética, a geometria e a astronomia, e a maioria dos tratadistas da música do século XIV tinha sólida formação matemática. Foram eles que, antes dos matemáticos profissionais, lançaram os fundamentos da teoria da multiplicação continuada de números inteiros e fracionais por eles mesmos, sistematizada somente mais tarde pelo matemático Nicole d'Oresme, ele próprio também um musicólogo. Outro fator que levou a música a sucumbir a tal detalhamento e matematização foi que toda a atmosfera intelectual do século XIV primou pela sutileza conceitual das distinções racionalistas em todos os campos do saber. Foi a era de ouro da escolástica e da lógica, e o surgimento de um novo corpo de conhecimento pan-europeu proporcionou a unificação das linguagens e terminologias científicas e intelectuais, com o resultado de se poder fundar uma nova metodologia educativa nas universidades, lançar novos princípios formais e elaborar sistemas descritivos e normativos para todas as artes liberais com um rigor, sofisticação, detalhamento e elegância estética enormes. As consequências dessa tendência para a música foram revolucionárias, com seus sinais evidentes nas novas e complexas propostas notacionais. Não apenas os ritmos e tempos foram trabalhados extensivamente, mas também se operou uma profunda mudança nas próprias formas e duração das notas, sentindo-se os compositores livres para subdividir a unidade básica à sua vontade, surgindo uma verdadeira explosão de novas figuras, compendiadas no Tractatus figurarum, atribuído sem muita certeza a Philippus de Caserta ou a Aegidius de Murino. Para tornar a descrição do progresso da Ars nova notandi ainda mais complexa, é conhecido que ao longo de todo o século XIV até para dentro do século XV, permaneceram em uso, ao lado dos novos, sistemas mais antigos, e existem evidências para acreditar que mesmo em datas recuadas os sistemas de notação eram lidos na prática de forma muito mais flexível do que se supõe usualmente. Ao mesmo tempo, não parece ter havido uma discriminação de hierarquia valorativa entre todos os sistemas usados, mas simplesmente eram vistos como formas alternativas de escrever música.

Pode parecer que as composições resultantes desses esquemas estruturais pré-concebidos fossem obras áridas, mas a combinação engenhosa de vários modos rítmicos na mesma peça e o nascimento de um novo e mais fluente senso melódico e uma noção incipiente de harmonia como hoje a conhecemos, nas mãos de mestres como Vitry, Guillaume de Machaut e outros, produziram composições ao mesmo tempo altamente intelectualizadas e também poéticas. Mesmo assim, segundo Hindley, aparentemente o caráter intelectual acabou por prevalecer tanto na obra de Vitry como na de toda a primeira geração Ars nova, e somente com a produção de Machaut, a maior figura de todo o período, pôde emergir de fato um verdadeiro lirismo de todas essas elucubrações matemáticas que permeavam a arte de compor. A forte índole racionalista e secular da música Ars nova, junto com uma maior preocupação de criar uma música mais individual e próxima da natureza dos sentimentos, a despeito das complexidades rítmicas, a tornam, pois, o elo de ligação entre a música medieval e a música renascentista, tanto mais que suas inovações não se deveram somente aos franceses, mas também aos italianos, cujo Renascimento cultural se iniciou exatamente nesta época e se desenvolvia dentro de um contexto eminentemente urbano, cortesão e intelectualizado, onde a influência da filosofia clássica era marcada. No contexto italiano o florescimento de uma nova poesia, o dolce stil nouvo (o doce estilo novo), com seus líderes em Dante Alighieri e Petrarca, também deu ímpeto à criação de uma nova estética musical, e os textos de ambos foram muitas vezes postos em música. Os italianos deram grande contribuição adicional ampliando o espectro de formas, cultivando a ballata, a caccia e sobretudo o madrigal, aplicando-lhes os princípios da Ars nova com um senso de tonalidade muito mais pronunciado e um melodismo mais rico que seus correspondentes franceses. Também cultivaram a canção solo com acompanhamento polifônico instrumental que chegou aos limites do virtuosismo, ao mesmo tempo em que a chanson francesa ganhava corpo junto com o aparecimento das "formas fixas" do rondeau e do lai. Todas essas formas musicais profanas se unificavam no gosto pelos ritmos vivazes e engenhosos, nos tempos rápidos e nas refinadas figurações ornamentais, e sua estética contaminava até a música sacra, desencadeando desde logo uma previsível reação. Já em 1322 o papa João XXII lançara uma proclamação condenando os excessos, e em 1324 voltou à carga com a bula De vita et honestate clericorum (também conhecida como Docta sanctorum patrum) banindo todas as inovações da Ars nova do ambiente eclesiástico, produzindo o resultado natural de que a música mais investigativa e criativa do século XIV fosse produzida quase em sua totalidade fora da Igreja. É de interesse transcrever trechos do documento pois através de sua condenação ele traça um sumário das práticas da Ars nova:

"A competente autoridade dos Padres decretou que, ao se cantar os ofícios do louvor divino através dos quais se presta a devida homenagem a Deus, devemos evitar cuidadosamente a violência às palavras, mas devemos cantar, com modéstia e gravidade, melodias de um caráter calmo e pacífico. Pois está escrito: de seus lábios saíram palavras doces. Mas os sons são verdadeiramente doces quando o cantor, quando fala a Deus em palavras, lhe fala também com seu coração, e assim, através de suas canções, desperta a devoção em outros… Mas certos expoentes de uma nova escola, que pensam apenas nas leis do tempo medido, estão compondo novas melodias de sua própria criação com um novo sistema de notas, que preferem à música antiga e tradicional; as melodias da Igreja são cantadas em semibreves e mínimas e com notas de passagem. Mas alguns quebram suas melodias em hoquetus ou as privam de sua virilidade com discanti, tripla, motectus, com um elemento perigoso produzido por certas partes cantando textos em vernáculo; tudo isso são abusos que têm levado ao descrédito as melodias básicas do Antifonário e do Gradual; esses compositores, não sabendo nada das verdadeiras fundações sobre as quais constróem, ignoram os Modos, são incapazes de distinguir entre eles, e causam grande confusão. O número de notas nessas composições esconde a melodia do canto gregoriano e seus simples e bem regulados movimentos que indicam o caráter do Modo. Esses músicos correm sem descanso, intoxicam o ouvido sem satisfazê-lo, dramatizam o texto com gestos e, em vez de promover a devoção, a subvertem criando uma atmosfera sensual e artificiosa. Assim disse Boécio, com boas razões: Uma pessoa que é intrinsecamente sensual se deliciará ouvindo essas melodias indecentes, e quem as ouve com frequência será enfraquecido e perderá a virilidade de sua alma… Contudo, não pretendemos proibir o uso ocasional - principalmente nas festas solenes da Missa e do Ofício Divino - de certos intervalos consonantes superpostos ao canto eclesiástico simples, desde que estas harmonias estejam no espírito e caráter das melodias que ornamentam, como, por exemplo, as consonâncias de oitava, de quinta, de quarta e outras dessa natureza; mas sempre sob a condição de que as melodias originais permaneçam intactas na pura inteireza de sua forma…"

Do seu ponto de vista ele tinha razão para dizer isso, pois em sua época a música eclesiástica havia absorvido inúmeras melodias profanas de dança e um pouco mais tarde os motetos sacros chegaram mesmo a usar textos paralelos de caráter erótico. E o seu protesto não foi isolado, houve outros críticos do novo sistema, dos quais o mais importante foi Jacques de Liège, defendendo em linhas gerais os mesmos argumentos da Igreja. A confusão que eles encontravam na música Ars nova se devia tanto ao abandono das relações clássicas entre matemática, música e ética, quebrando o conceito de música como reflexo da harmonia cósmica, mas também ao uso de ritmos e modos irregulares, como ficou explícito acima, e textos diferentes para cada voz, às vezes até em línguas diferentes, a serem cantados ao mesmo tempo, prejudicando seriamente a inteligibilidade da mensagem verbal. Contudo, a admissão pelo papa de certos intervalos consonantes e de uma polifonia simples era um reconhecimento tácito da força com que as mudanças se processavam, uma força que se revelou irresistível, a ponto de sua proibição cair no vazio quando logo em seguida outro papa, Clemente VI, sem qualquer prurido de consciência em torno de 1342 começou a recrutar os melhores cantores de seu tempo para a própria capela papal em Avinhão e autorizou o canto polifônico do Ordinário, e quando chegou o fim do século a missa polifônica se tornara o mais importante gênero de música sacra, suplantando o próprio canto gregoriano.

Segundo Lawrence Earp, a Ars nova atingiu seu apogeu em torno de 1350, com o amadurecimento das "formas fixas" das canções polifônicas através da obra de Guillaume de Machaut e Pierre des Molins, com a consolidação do moteto isorrítmico por Philippe de Vitry, Machaut e outros, e com a sumarização das novidades teóricas na obra Libellus cantus mesurabilis de Johannes de Muris. Duas décadas depois o estilo foi ainda mais sofisticado por compositores ativos especialmente no sul da França, em torno da corte papal de Avinhão, nas cortes de Gastão III Febo e João I de Aragão, e em alguns pontos da Itália como Verona, Milão e Florença, formando a escola chamada Ars subtilior, que vai ser descrita mais adiante.

Relações harmônicas e rítmicas

Para compreendermos o sistema harmônico Ars nova é preciso remontar ao tempo da Grécia Antiga. Segundo a tradição, Pitágoras, no século VI a.C., pela primeira vez descreveu os intervalos musicais tidos como consonantes através da matemática. Usando relações aritméticas entre os quatro primeiros números inteiros junto com experimentos práticos, definiu o intervalo consonante de oitava como aquele obtido dividindo-se uma corda sonante de doze unidades de comprimento, que gerava a nota básica, em duas partes de igual extensão, com seis unidades, dando a proporção de 1:2. Limitando uma extensão de quatro unidades (1:3), obtinha-se o intervalo de uma oitava mais uma quinta, e com um comprimento de três unidades (1:4), o resultado era duas oitavas acima da nota básica. Todas essas proporções, 1:2, 1:3 e 1:4, geravam intervalos consonantes de acordo com a percepção da época. Outros intervalos consonantes podiam surgir com a inter-relação dessas proporções iniciais - 2:3 e 3:4 - que geravam os intervalos de quinta e quarta, respectivamente. Além disso, Pitágoras percebeu que 1+2+3+4=10, e que 10 unidades podiam ser representadas graficamente através de 10 pontos equidistantes dentro de um triângulo equilátero com quatro unidades de lado, uma figura chamada de tetraktys, que era imbuída de especial significado místico, contendo em si todas as relações consonantes, sendo considerada por isso um símbolo da perfeição. Mas em certo momento Pitágoras e seus seguidores abandonaram o experimentalismo, desconfiando que os sentidos humanos, uma vez que variavam de indivíduo para indivíduo, não poderiam dar acesso à Verdade, e passaram a investigar a música somente através da matemática, um instrumento ideal de pesquisa que o aparato sensorial humano não era capaz de igualar; com isso o experimentalismo se tornava irrelevante, e a música deixava o território da arte e se tornava um domínio das ciências exatas, tornando-se passível de normatização rigorosa.

Também se credita a ele a origem da teoria da música das esferas, que declarava que a música humana era um reflexo da música produzida pelo movimento dos corpos celestes. Aristóteles descreveu mais tarde esse conceito, dizendo que

"o movimento dos corpos de dimensões astronômicas deve produzir som, uma vez que na terra corpos muito menores em movimento produzem este efeito. Ainda, quando o sol e a lua e as estrelas, tão grandes em número e tamanho, se movem, como se diz, com um movimento rápido, como não produziriam um som proporcionalmente grande? A partir deste argumento, e da observação de que suas velocidades, medidas pelas suas distâncias, estão na mesma proporção que as consonâncias musicais, eles dizem que o som produzido pelo movimento circular dos astros é uma harmonia".

Essa teoria era atraente por que ao mesmo tempo explicava a origem da música humana - um reflexo da harmonia divina, a potência pela qual o mundo fora criado - e dava uma razão pela qual o ouvido experimentava certos intervalos como consonantes e outros como dissonantes, estando estes fora do esquema celeste. Intimamente ligado aos conceitos de harmonia e movimento estava o de ritmo, que representa o impulso que estabelece padrões organizados e estrutura desde o cosmos até as relações sociais e ciclos vitais. Assim, toda a descrição do universo na escola pitagórica estava fundamentada no número e nos elementos da música, e o princípio da harmonia adquiriu fortes conotações éticas, sendo o alicerce de todo o classicismo. No século V a.C. os músicos práticos já haviam estabelecido escalas musicais derivadas das consonâncias encontradas no modelo do tetraktys, resultando nos modos gregos. Eles definiram também outros intervalos através de combinações ulteriores sobre o esquema básico. Além dos músicos outros filósofos expandiram os princípios pitagóricos para a explicação do mundo físico e do mundo espiritual, como Platão e Aristóteles. Em suma, a música era muito mais do que uma arte, era uma forma de se conhecer o plano divino para o mundo e um meio de elevar as almas até a contemplação da Verdade. E mais do a música, a matemática pitagórica influenciou também a literatura na definição da métrica e da rítmica poética, tendo uma influência igualmente vasta sobre a escultura, a pintura e a arquitetura ao longo de muitos séculos à frente.

Esses conceitos perduraram até o fim da civilização helenística, e foram absorvidos pelos primeiros pensadores cristãos. São Jerônimo, parafraseando Pitágoras, disse que a harmonia do mundo e a ordem e concórdia de todas as criaturas produziam uma canção espiritual. Para Santo Agostinho, as proporções matemáticas se encontravam em todas as manifestações da Beleza, e Boécio deixou escritos onde detalhou exaustivamente o sistema pitagórico. Dessa forma, no mundo cristão a música continuou sendo vista como o Número sonorizado e como uma proclamação do Logos, a Palavra divina. Nos séculos IX e X, quando iniciaram as primeiras tentativas de canto litúrgico a duas vozes, os intervalos de oitava, quinta e quarta continuavam sendo os únicos a serem considerados consonantes, mas sob a influência das escolas inglesa e lombarda algumas notas de passagem e ornamentos podiam eventualmente cair fora desses intervalos, como a segunda maior e a terça maior. No século XI o sistema foi tornado ainda mais rigoroso, com o declínio da quarta como consonância, e chegando nos séculos XII-XIII a influência da filosofia pitagórica conheceu uma nova expansão através da obra dos membros da Escola de Notre-Dame, da Ars antiqua, quando as proporções matemáticas foram aplicadas consistentemente à definição do ritmo musical de maneira independente da métrica poética, como uma dimensão autônoma da arte musical sujeita a regras proporcionais e requerendo uma coordenação exata com os tempos da música, até então concebidos de uma forma bastante elástica e imprecisa.

Em meados do século XIII, em um comentário dos Elementos de Euclides escrito por Campano da Novara, a aritmética foi submetida à geometria, a qual, por tratar de planos contínuos no espaço, admitia não só proporções racionais mas também irracionais. A consequência disso para a música foi que a libertou da necessidade de conceber o tempo musical como uma adição sucessiva de unidades de tempo invariáveis, e introduziu na concepção rítmica o uso de uma proporção específica, a Seção áurea, onde o termo menor está para o maior assim como o termo total está para a soma dos termos maior e menor - a:b::b:(a+b), uma proporção também carregada de significados místicos e teológicos. Segundo Ferreira, quando o moteto, já no século XIV, assumiu a posição de forma musical mais importante, passou a ser concebido como um todo temporal dividido em partes congruentes, tentando-se capturar em sua organização temporal tanto a tradição pitagórica racional como esta proporção irracional tão significativa. Ambas foram usadas para se determinar a posição relativa de módulos temáticos e rítmicos, de intervalos especialmente marcantes, de divisões formais, de palavras importantes, de deslocamentos rítmicos e de vários outros elementos musicais que deviam chamar uma atenção maior. A ilustração acima traz uma análise estrutural de um moteto anônimo. Os triângulos vermelhos assinalam as três aparições da palavra Deus, entre a metade exata e o ponto da Seção áurea. A área sombreada assinala um trecho na técnica do hoquetus, com alternâncias rápidas de fragmentos melódicos entre as vozes, e ocupa o espaço que, no limite anterior, reflete o intervalo de quinta (2:3), e no limite posterior, o de quarta (3:4). O espaço correspondente ao intervalo de oitava, 1:2, a metade exata da estrutura, é o ponto da primeira aparição da palavra Deus. As três palavras Deus aparecem, finalmente, em pontos que formam um triângulo, um símbolo da Santíssima Trindade. Outro exemplo típico é encontrado no moteto de Vitry Firmissime-Adesto-Alleluia, que trata da Santíssima Trindade. O ponto da Seção áurea cai exatamente quando são ditas as palavras personis tribus (três pessoas). O tenor está construído de forma que a primeira exposição da melodia ocupa três vezes o tempo da segunda exposição, e a mesma proporção de 3:1 se aplica entre suas respectivas divisões rítmicas.

Nesses esquemas rítmicos foi de especial importância o isorritmo, uma evolução do sistema dos modos rítmicos que combina uma sequência de notas com um padrão rítmico fixo, donde seu nome, de iso, igual. Cada célula rítmica era chamada de talea, e ao se repetirem em várias combinações as taleae formavam uma melodia definida, chamada de color, a qual por sua vez podia ser usada como uma macrocélula a ser repetida em outras combinações. Philippe de Vitry e Guillaume de Machaut foram grandes popularizadores da técnica. A talea, nas primeiras composições isorrítmicas, era usualmente uma pequena sequência de poucas notas, correspondendo, normalmente, a um modo rítmico. No decorrer do século XIV as taleae se tornaram muito mais longas e elaboradas e foram usadas para estruturar obras de dimensões muito maiores, onde cada color constituía uma seção estrutural substancial da composição, medindo vários compassos. Por volta de 1400 a técnica de diminuição no moteto tornou-se comum: uma longa color do tenor era repetida várias vezes de acordo com diferentes regras de mensuração, tornando o tempo de sua execução cada vez mais rápido, de forma proporcional.

Ainda que de modo geral o sistema de consonâncias e dissonâncias durante a Ars nova tenha permanecido em essência o mesmo das primeiras fases da Idade Média, houve alguma mudança no sentido de uma maior definição do senso de tonalidade, afastando-se progressivamente do sistema modal, mas é preciso advertir que a música Ars nova não é "harmônica" no sentido em que hoje se concebe o termo, e sua harmonia deriva mais da coincidência entre as notas das linhas polifônicas horizontais do que de uma organização intencional em acordes verticais e progressões tonais. A causa deste fenômeno foi a multiplicação das vozes polifônicas, com a consequência de aparecerem simultaneidades de três notas diferentes, as tríades, com mais frequência. Contudo, ainda permanecia em uso os intervalos de consonâncias perfeitas derivadas da filosofia pitagórica. Isso não impedia que se usassem outros intervalos, dissonantes, aliás estes apareceram muito na Ars antiqua em notas de passagem, muitas vezes dissonâncias duras como o intervalo de segunda menor e nona, mas eram sempre resolvidas em consonâncias. Na Ars nova o uso de dissonâncias duras foi minimizado, e apareciam de preferência em posições rítmicas fracas. Quanto aos intervalos de quarta, sexta e terça, às vezes eram considerados consonantes e às vezes dissonantes, dependendo de como surgiam na peça, mas mesmo quando tinham uma função de consonância ele não eram considerados perfeitos.

Notação

Ao longo da Ars nova, como já foi dito, ocorreu uma rápida dissolução dos modos rítmicos tradicionais, substituídos por novos esquemas. A medida da duração das notas se tornou progressivamente mais definida e as indicações de metro no início da pauta se multiplicaram, possibilitando várias combinações e relacionamentos entre os vários valores das notas e os padrões métricos. O sistema só apareceu plenamente desenvolvido nas obras de Guillaume de Machaut. O pulso básico era naquele tempo algo em torno de 80 no metrônomo moderno, mas eram reconhecidas velocidades alternativas como rápido, moderado e lento, denominadas então variavelmente como cita, media e morosa; ou velociter, medie e tractim; ou lascivo, mediocre e longo, ou minimum, medium e maius, mas em qualquer velocidade a notação permanecia idêntica.

Havia quatro relações métricas principais nesse período, sistematizadas por Johannes de Muris, chamadas maximodus, modus, tempus e prolatio, relacionadas às formas perfeitas, imperfeitas e alteradas, resultando em doze esquemas básicos. A prolatio, segundo Vitry, podia ser subdividida em quatro outras modalidades. No primeiro grau, maximodus, que relacionava as proporções entre os três tipos de nota longa, a longa tripla ou longuíssima (81 unidades), a longa dupla (54 unidades), e a longa simples (27 unidades); no segundo grau, modus, que relacionava a longa com a breve, estavam a longa perfeita (27 un.), longa imperfeita (18 un.) e a breve (9 un.); no terceiro grau, tempus, relacionando a breve com a semibreve, estavam a breve perfeita (9 un.), a breve imperfeita (6 un.) e a semibreve menor (3 un.); e no último grau, prolatio, relacionando a semibreve com a mínima, estavam a semibreve perfeita (3 un.), a semibreve imperfeita (2 un.) e a mínima (1 un.). Todas essas divisões, como ocorria na harmonia e ritmo, estavam intimamente ligadas às proporções pitagóricas, e, em menor grau, às postuladas por Ptolomeu. A longa tripla não foi encontrada em nenhuma peça de música, seu valor só aparece sob forma da pausa correspondente, e sua inclusão no tratado de Muris possivelmente se deveu a razões antes de tudo estéticas, em prol de uma simetria no esquema. Contudo, esse esquema não era um consenso absoluto, outros teóricos propuseram divisões e nomes alternativos, e nenhum dos grandes tratados do século XIV, nem os franceses, nem os italianos, conseguiu unificar todas as linguagens musicais; mesmo os valores consagrados nos livros podiam ser modificados através de uma multiplicidade de combinações pelas preferências pessoais de cada compositor. De consenso realmente havia pouca coisa num tempo de multiplicação dos estudos teóricos, mas foi aceita de maneira mais ou menos geral a mínima como a unidade básica de medida. Mas esta unanimidade também não durou muito, e logo a mínima foi substituída na prática pela semínima, esta recebeu ainda outras subdivisões, na colcheia e por fim na semicolcheia, cada subdivisão com valor menor que o da nota precedente, ainda que os valores menores que a mínima não fossem sistematizados nos tratados de Muris e Vitry em vista do seu rigorismo terminológico - nada podia ser menor do que o que já era "mínimo". Mas outros autores, nomeadamente Jacques de Liège e Theodoricus de Campo, perceberam que todo esse processo, ainda que tivesse introduzido mudanças efetivas, tinha muito de uma simples troca nominal. Campo disse que era indiferente chamar-se a nota de menor duração de semibreve, mínima ou semínima, sendo relativos todos os seus valores reais, e assinalou que se a voz humana se dispusesse a se mover mais rápido, até a semínima poderia ser facilmente subdividida. Liège escreveu dizendo que era mais útil se prestar atenção à coisa e não ao nome, claramente demonstrando com exemplos musicais que as relações de tempo no sistema antigo e no novo permaneciam as mesmas.

Acima estão quadros ilustrativos da notação Ars nova, conforme apresentados pelos pesquisador Lloyd Ultan. O primeiro traz as divisões da longa, breve e semibreve, junto com sua equivalência moderna. Abaixo, as quatro prolationes, que refletem os agrupamentos possíveis de mínimas, com resultados diversos no que diz respeito à leitura do metro, e a denominação "perfeito" e "imperfeito" se referem a ritmos respectivamente ternários e binários. A última imagem é uma transcrição de um trecho de música para o sistema moderno, ilustrando o uso da cor vermelha, várias formas de notas e o uso do punctus additionis. O círculo branco logo no início é um sinal de mudança de prolatio.

Com a introdução de ritmos novos, apareceu a síncope, que é um deslocamento do pulso rítmico padrão, conseguido graficamente por vários meios, dos quais o mais usual era a aplicação de um ponto em seguida a uma dada nota, o punctus additionis, ainda em uso hoje em dia para adicionar à nota metade de seu valor. Outro ponto era o punctus divisionis, retirando da nota metade de seu valor. Muitas vezes ambos são indistinguíveis, e só uma leitura sensível da peça pode sugerir qual é qual. A síncope teve um emprego generalizado durante esse período, e se tornou uma das características mais típicas da Ars nova. Outro recurso gráfico usado para indicar alterações nos valores era a cor. As notas vermelhas surgiram pouco antes do século XIV, e permaneceram em uso por todo o século. Tinham diversos significados, mas o principal era indicar um deslocamento rítmico. Um dos fatores que levaram à sua adoção foi o desenvolvimento do conceito da hemíola, ou a substituição de dois valores iguais por três valores iguais no mesmo espaço de tempo. Essa substituição, na escrita a várias vozes, muitas vezes originava relações de 3:2, com interessantes efeitos. Esses esquemas básicos podiam ser refinados com o acréscimos de outros sinais, como notas ocas e cheias, partidas ou inteiras, com traços e caudas, nas cores branca, preta ou vermelha, em numerosas combinações.

Uma questão difícil de ser perfeitamente elucidada pelos pesquisadores modernos é a dos acidentes. O tratamento dos acidentes na Idade Média divergia bastante do uso atual, não havia uma distinção clara entre armadura de clave e acidentes ocasionais, e mesmo quando um acidente aparecia no início da peça, para indicar uma armadura definida para toda ela, aquele acidente só se aplicava para a nota alterada naquela altura específica, não interferindo com as mesmas notas em outras oitavas. Para complicar, em peças a várias vozes podiam ser usadas armaduras diferentes para cada voz, e os acidentes eventuais podiam aparecer muito antes da nota que pretendiam modificar, em outras posições na pauta ou acima ou abaixo da nota respectiva, dando margem a muitas dúvidas para sua leitura moderna. Um bemol podia ser cancelado não com um bequadro, mas com um sustenido, da mesma forma que um sustenido podia ser cancelado com um bemol, além de haver muitas vezes problemas para distinguir nos manuscritos entre bequadros e sustenidos, cujas formas podiam ser a mesma. Por fim, muitos dos acidentes não eram assinalados de forma nenhuma, pois se esperava que o intérprete os suprisse, mesmo não estando indicados na pauta. Isso era necessário quando ocorriam intervalos dissonantes indesejados, então era imperativo alterar uma das notas do acorde com um cromatismo não previsto na escala ou modo original em que se compunha uma peça. Essa prática era o que se chamava de musica ficta, música falsa, significando tanto as alterações da escala quanto os acidentes não anotados. Hoje se torna difícil determinar quando uma nota era ficta ou não, pois se muitos intervalos eram vedados, dissonâncias eram comuns em notas de passagem de tempos fracos e apareciam mesmo em cabeças de compasso de forma premeditada, daí que distinguir o que era ou não intencional fica problemático. Mas suas implicações eram mais amplas do que uma mera correção auditiva, pois significava uma mudança conceitual, alterando todo o tetracorde envolvido. Em edições modernas usa-se assinalar as notas supostas como fictae com acidentes entre parênteses ou acima ou embaixo da nota, fora do pentagrama.

O interesse pelas técnicas notacionais durante o século XIV se tornou quase um fim em si mesmo, e os compositores em geral davam tanta atenção ao aspecto gráfico-visual de suas obras quanto ao seu conteúdo musical. Isso ficou particularmente óbvio na fase final da Ars nova, chamada de Ars subtilior, com partituras muito complexas e de difícil transcrição moderna. A leitura dessas peças se complica quando se sabe que em vários exemplos musicais as indicações notacionais são escassas, mesmo quando o contexto da peça sugere uma complexidade maior do que a que aparece à primeira vista, e deve-se levar em conta usos de domínio público daquele tempo que para eles não necessitavam indicações explícitas. Nesses casos, é imprescindível da parte do músico moderno que ele tenha um conhecimento profundo das práticas musicas gerais da Ars nova a fim de detectar sutilezas ocultas em uma dada partitura.

Cabe ainda uma rápida análise do sistema italiano de notação, ainda que ele tenha conhecido um uso mais limitado, como já foi dito, e tenha derivado em parte do francês. O primeiro teórico da notação italiana foi Marchetto de Pádua, que escreveu seu tratado Pomerium in arte musica mensurata no início do século XIV, mas a súmula do sistema só apareceu com os vários tratados de Prosdocimo de' Beldomandi, do qual possivelmente o mais importante foi o Contrapunctus, de 1412. Ao contrário de seus contemporâneos, Prosdocimo não apenas expôs as regras, mas as justificou, tornando sua contribuição uma mas mais notáveis obras sobre a Estética da Ars nova. A notação italiana era baseada em um sistema de divisiones, que representam metros de vários tipos, uma continuação de uma proposta de Petrus de Cruce que foi logo ultrapassada na França. A unidade básica de medida era a breve, de valor invariável, a partir da qual todas as subdivisões, definidas por pontos adicionais, se organizavam. O ponto tinha ainda a função de barra de compasso, e dentro de cada compasso era possível obter uma grande variedade de ritmos. As suas divisiones eram a quaternaria, a senaria imperfecta, a octonaria, a senaria perfecta, a novenaria e a duodenaria, que correspondiam respectivamente aos metros de 2/4, 6/8, 4/4, 3/4, 9/8 e novamente 3/4. Os nomes das divisiones indicavam o número máximo de unidades mínimas dentro de cada compasso. Mudanças de divisiones ao longo de uma peça eram indicadas com letras específicas, respectivamente q, i, o, p, n, d. Quando não aconteciam mudanças, era comum não aparecer qualquer indicação, e seu ritmo era deduzido do conteúdo musical. Na maior parte das vezes as divisiones não completavam o número máximo de unidades mínimas, gerando ritmos quebrados ou incompletos, o que se tornou um traço característico da forma italiana. Outras características do sistema italiano eram que ele adotara as divisões binárias antes dos franceses, já no fim do século XIII, e que a semibreve podia ser subdividida em valores desiguais dentro de um mesmo compasso - se houvesse duas semibreves em um tempo imperfeito, teriam valores iguais; se houvesse quatro, também seriam de valores iguais, mas se houvesse três, a última seria duas vezes mais longa que as primeiras; se houvesse seis, as duas últimas valeriam o dobro das outras, e se o compositor desejasse que a primeira fosse mais longa, acrescentava-lhe uma haste descendente. Outras notas podiam ter seus valores aumentados com uma haste para baixo e diminuídos com uma haste para cima. O problema desse sistema era que vários desses valores diferentes eram grafados com sinais iguais e não se permitia que as síncopes ultrapassassem o valor da breve, o que provavelmente foi a causa de o sistema francês acabar prevalecendo.

Formas

Sacras

A origem da missa como forma musical já foi abordada antes, e resta dizer que seu desenvolvimento durante a Ars nova tendeu a torná-la uma forma cada vez mais unificada, quando antes a musicalização dessa cerimônia era feita em fragmentos avulsos sem maior relação musical entre si. As primeiras missas polifônicas a mostrarem um sentido de unidade maior foram obra de compositores anônimos, com seções de autoria de compositores diferentes mas que mostraram uma preocupação de criar elos musicais perceptíveis entre elas. Entre essas peças primitivas estão as célebres Missa Tournai e a Missa Barcelona, cujo conteúdo musical é de grande qualidade. A obra seguinte nesse gênero que merece nota foi composta por Guillaume de Machaut, intitulada Messe de Nostre Dame, que foi a primeira a ser toda composta pelo mesmo autor, é praticamente a única outra missa do século XIV que atingiu um nível elevado, e de fato sendo o maior monumento individual da Ars nova. Sua unidade é muito maior do que as missas precedentes, conseguida através do uso de células musicais e rítmicas que recorrem ao longo de toda a composição, além de todas as seções se desenvolverem dentro de modos afins.

Mistas

O moteto surgiu, como já foi aludido, durante a segunda metade do século XIII, a partir de trechos de texto e música interpolados em composições preexistentes. As primeiras interpolações aconteceram no canto gregoriano simples, e foram chamadas de tropos e sequências. Quando este princípio se aplicou aos primitivos organa a duas vozes, o resultado foram as cláusulas, e se tornou comum que os músicos enriquecessem seus organa inserindo cláusulas de um organum para outro. Quando isso era feito, o texto da cláusula naturalmente apareceria deslocado em sua nova posição, enxertado dentro de um texto diferente, e assim o texto da cláusula era descartado e a música restante era interpretada sob a forma de uma vocalização sem palavras. O passo seguinte foi a adição de novas palavras para aquele fragmento de música, dando-se-lhe o nome de motetus, uma vez que mot significa palavra em francês. Porém, mesmo quando a composição era em latim, esse novo texto era rotineiramente em vernáculo, e seu conteúdo comentava o texto do tenor em latim. A próxima fase evolutiva do moteto foi o acréscimo de uma terceira voz ao motetus e ao tenor, formando um tecido sonoro em que o tenor mantinha a linha do canto gregoriano em notas longas, o motetus cantava em francês e em notas mais rápidas, e acima dele o superius seguia num tratamento ainda mais melismático, podendo trazer um texto latino, francês ou ainda em outra língua.

Constituído dessa maneira, o moteto logo perdeu sua colocação dentro da liturgia e se tornou um gênero profano, largamente cultivado, fazendo desaparecer o organum e se tornando o campo experimental por excelência dos compositores de vanguarda. O texto sacro do tenor passou então a ser contraposto a textos das mais diversas origens, alguns até de caráter erótico, e no início do século XIV ele já era um gênero praticamente todo secularizado, recebendo inclusive versões inteiramente instrumentais. Continuando a evoluir, o moteto, originalmente uma peça em miniatura, adquiriu maiores proporções e passou a aplicar os princípios rítmicos da Ars nova em plenitude. A principal modificação nesse período foi a adoção do isorritmo. Com isso a percepção clara do ritmo do tenor acabou se perdendo, e só era compreensível através da inspeção visual da pauta. Sua descaracterização se acentuou quando foi acrescentada uma outra voz abaixo dele, o contratenor - não confundir com o significado moderno do termo - que foi submetida também ao esquema isorrítmico, junto com as duas vozes superiores, o que veio a alterar significativamente o equilíbrio sonoro do conjunto e deu-lhe uma forma bastante unificada.

Profanas

A canção foi extensivamente praticada no século XIV, e se dividia em várias formas. Sua estrutura musical dependia em grande medida da forma da poesia sobre a qual se estruturava. Uma das mais estimadas formas de canção durante a Ars nova foi a balada, chamada de ballade pelos franceses e ballata pelos italianos, mas seus significados práticos eram bem diferentes nos dois países. Como o nome sugere, originalmente era uma peça vocal dançada ("bailada") de uso popular, mas desde cedo foi adotada pelos compositores eruditos e refinada para uso nas cortes. A ballata surgiu no século XII e perdurou até o século XV; podia ser homofônica ou, depois de 1360, polifônica, a duas ou três vozes, ou com uma voz solo com acompanhamento instrumental, e todas essas formas vocais podiam ser interpretadas em versões apenas instrumentais. Sua forma típica era ABBAA, cada seção denominada respectivamente de ripresa (A), dois piedi (BB), volta (A) e ripresa (A). Seu maior cultivador foi Francesco Landini, e esta forma profana tinha uma contrapartida espiritual nos laude, cujo texto era sacro. A ballade tinha uma estrutura bem distinta, era baseada em poemas com três estrofes de oito versos cujo último verso era repetido em todas as estrofes como um refrão, e o final era uma estrofe chamada de envoy, também com o mesmo refrão, resultando na forma ArBrCrDr. O que mais se parecia com a ballata na França era o virelai, cujas estrofes tinham duas rimas e uma estrutura em geral ABBA, mas adotou em geral uma escrita polifônica isorrítmica. O lai era em forma semelhante ao virelai e derivou dos versículos duplicados da sequentia, e às vezes usava três ou mais versículos. Sua música era basicamente homofônica, sua prosódia musical era silábica ou quase isso, e empregava a repetição de trechos melódicos em alturas diferentes. Um versículo usualmente não ultrapassava uma nona, mas toda a peça podia chegar a duas oitavas em extensão. Era na maior parte das vezes isorrítmico e o início e final da peça usavam a mesma melodia na mesma oitava. Em alguns casos as melodias podiam ser cantadas em cânone. Na época de Machaut o lai foi fixado numa estrutura de doze estrofes, todas diferentes entre si, salvo a primeira e a última. O rondeau, que tinha um similar no rondello italiano, era também uma forma repetitiva com alguns pontos de contato com o virelai. Podia chegar a cinco vozes, e sua forma se estruturava como ABaAabAB, com alternâncias de passagens em coro e em solo.

Outra forma importante no século XIV foi o madrigal, uma invenção italiana. Foi descrito pela primeira vez por Francesco da Barberino em sua glosa latina de sua própria obra em vernáculo Documenti d'amore (c. 1315), e parece fazer uma referência a uma prática mais antiga. Nessa época o madrigal seguia um texto geralmente pastoral dividido em estrofes cujo metro era de sete ou onze sílabas, postas em música a duas ou três vozes, com um tenor em notas longas e as outras em figurações mais rápidas ricamente ornamentais. Seu tempo era ternário ou perfeito, e usava a divisão duodenaria, misturando passagens em divisão novenaria especialmente no refrão ou ritornello. A fonte mais importante de madrigais Ars nova é o Codex Rossi (c. 1350), que transmite obras de cerca de vinte anos antes. A grande disparidade de detalhes em manuscritos que trazem peças idênticas sugere um uso prático de improvisação para as vozes superiores. Depois de 1360 a popularidade do madrigal declinou, embora continuassem a aparecer alguns exemplos até o século XV, ora com textos moralizantes, autobiográficos ou laudatórios. Contudo, no século XVI o madrigal foi ressuscitado com sucesso e atingiu níveis de complexidade muito altos, tornando-se uma das formas de eleição para a música de vanguarda.

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Instrumental

Alguns dos instrumentos usados no século XIV tinham uma origem muito antiga. Entre eles estavam a harpa, a lira, a cítara, o órgão, a flauta, a gaita de fole, o tamborim, o alaúde, o tambor, a rabeca ou viela, o trombone, o trompete, os sinos, a sacabuxa, címbalo e o saltério, que remontavam à Antiguidade. Outros eram de aparição mais recente, como a viela de roda, o corneto, a viola. No fim do século XIV começaram a ser descritos os recém-chegados: a bombarda e o órgão com pedal. Nessa época a maioria deles não ultrapassava duas oitavas, e eram agrupados pelo volume de som que eram capazes de produzir, divididos entre "altos" e "baixos", e pelo timbre. Múltiplas combinações podiam ser organizadas a partir dessa orquestra, as crônicas sugerem que já nessa época havia um fino senso de orquestração, produzindo pequenos grupos de câmara com sonoridades delicadas para acompanhamento de canções em performances domésticas até grandes e barulhentos conjuntos festivos usados em cerimônias públicas ao ar livre, e um cronista chegou a dizer que nessas ocasiões havia tanta música no ar que mesmo se houvesse uma tempestade os trovões não seriam ouvidos. Muitas vezes os coros polifônicos eram dobrados com uma variedade de instrumentos.

Principais representantes

Antes de se abordar em especificidade alguns nomes notáveis do período, cabe advertir que os exemplos musicais oferecidos, na impossibilidade de se suprir ilustração com gravações ao vivo, foram realizados todos como versões instrumentais computadorizadas. Se por um lado isso pode dar uma ideia geral da estrutura, dos perfis melódicos e das relações intervalares das peças, não pode substituir uma performance autêntica, e por isso se encarece ao leitor que procure exemplos gravados para construir uma imagem mais verdadeira da música Ars nova. Gravações qualificadas de obras integrais, de fácil acesso via internet, podem ser encontradas em quantidade, por exemplo, no website YouTube, e em menor número no MySpace.

Jehannot de Lescurel

Jehannot de Lescurel (morto em c. 1304) merece uma nota aqui não por ter sido um compositor especialmente importante, mas por ter sido possivelmente o primeiro a usar recursos claramente distintos da Ars antiqua. Suas obras conhecidas estão no manuscrito francês do Romance de Fauvel, ilustrado na abertura do artigo, e compreendem uma canção a três vozes e 31 outras monofônicas, que são mais ornamentadas e ritmicamente variadas do que exemplos do mesmo gênero do século XIII. Seus textos já são quase todos profanos e a forma das peças são inspiradas em tempos de dança, sendo um dos precursores dos gêneros da ballade, do rondeau e do virelai.

Philippe de Vitry

O trabalho de Philippe de Vitry (1291 — 1361) como teórico já foi citado antes e não é necessário voltar ao tema. Mas além de tratadista, Vitry foi filósofo, moralista, diplomata, alto funcionário da corte francesa e conselheiro de três reis, matemático, bispo e poeta, uma das mais brilhantes mentes de sua geração. Foi um humanista imbuído da tradição da Antiguidade clássica, o que provou fazendo uma versificação no vernáculo das Metamorfoses de Ovídio e escrevendo muitos dos textos para suas obras musicais, onde ele revelou grande habilidade poética, sendo louvado por Petrarca em termos altamente elogiosos, chamando-o de o único verdadeiro poeta da França. Apesar de sua imensa fama, a maior parte de sua música se perdeu, e atualmente lhe são atribuídos apenas cerca de dezesseis motetos, dos quais apenas cinco têm uma autoria fora de dúvida; também de suas poesias pouco restou. Os textos dos motetos sobreviventes tratam de uma variedade de assuntos, o amor cortês, cenas pastorais, mensagens patrióticas, a piedade cristã, libelos contra os vícios e laudações a personalidades da época.

Foi um dos primeiros a usar os ritmos binários e um dos grandes agentes da evolução do moteto isorrítmico. Ao contrário dos motetos isorrítmicos primitivos, nascidos do organum com voces organales de livre elaboração onde muito era deixado ao improviso do intérprete, cabendo ao tenor manter um padrão rítmico constante, o moteto isorrítmico de Vitry enfeixava as voces organales dentro também de esquemas isorrítmicos, dando-lhe uma estrutura mais coesa e forte. A uma primeira audição o efeito de suas obras, no aspecto rítmico, é intermediário entre o estilo mais ou menos estático de Pérotin e o dinamismo de Machaut, mas numa análise mais detida nota-se que as relações internas entre as vozes são mais complexas que as estabelecidas pelos outros dois mestres, pois seu caráter matemático é mais definido e ele provê pontos de clímax cuidadosamente planejados. Outro traço distintivo de sua obra é que o tenor funciona como um claro elo de unidade estrutural ao longo de toda a construção, sobre o qual as outras vozes não apenas tecem desenhos ornamentais, mas encontram um sólido apoio. Quanto ao caráter das vozes superiores, estão fortemente encadeadas na estrutura geral e sua presença é sempre convincente e necessária, ao contrário de um uso comum da época de deixar ao cargo do executante optar por uma interpretação completa da peça ou selecionar somente algumas vozes, ou mesmo improvisar vozes novas em substituição das preexistentes. Também é característico de sua produção o uso de dois textos diferentes em simultâneo, embora isso não seja uma exclusividade sua, mas teve a particular capacidade de criar um tecido sonoro em que ambos permanecem inteligíveis. Como um literato ele mesmo, teve a preocupação de musicar os poemas de modo que o discurso musical acompanha de perto a estrutura, articulação e a fluência do texto, e nesse sentido ele foi um precursor do madrigal descritivo da Renascença.

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  • Uma excelente gravação ao vivo do moteto Cum statua de Vitry está disponível aqui.

Guillaume de Machaut

Guillaume de Machaut (1300 - 1377) é considerado um dos maiores poetas franceses de seu tempo, influenciando até mesmo Chaucer. Compôs numerosos poemas líricos sobre o tema do amor cortês e sobre a oposição entre a Esperança e a Fortuna, inspirados na tradição clássica e com uma qualidade ao mesmo tempo intimista e formalista, o que lhes empresta um caráter atemporal, além de ter deixado crônicas em prosa. Foi o maior nome da música do século XIV europeu e o autor da afamada Messe de Nostre Dame. Graduado pela Universidade de Paris, serviu aos reis da Boêmia, Navarra e França, e com eles percorreu a Europa. Em 1337 foi feito cônego de Reims. Machaut é frequentemente citado como um inovador; o foi, mas não descartou formas consagradas pela tradição, e as empregou com maestria, introduzindo nelas variações sutis que permitiram-lhe expressar ideias muito pessoais e obter um efeito mais dramático. Ainda que a Igreja tivesse banido o estilo da Ars nova da música litúrgica, foi um mérito de Machaut compor a maior obra sacra do século, a missa sobredita, que é também a sua única obra sacra de vulto, fazendo uso desse mesmo estilo de um modo que resultou aceitável para o clero.

No território profano foi muito prolífico; dele sobrevivem mais de vinte motetos a três e quatro vozes e cerca de cinquenta peças entre virelais e lais, algumas polifônicas e outras monofônicas, que revelam um artista de amplos recursos técnicos, com facilidade de transitar entre vários estilos regionais, grande inventividade e uma fina veia lírica. Suas canções monofônicas representam a última floração da linhagem dos trovadores, e as perto de quarenta para voz solo com acompanhamento polifônico, nas formas do rondeau e da ballade, foram os modelos para várias gerações depois dele. O que as torna tão eficientes é sua grande eloquência e uma associação naturalista entre texto e música, além de sua graça intrínseca, seu melodismo rico e elegante e sua sofisticação rítmica. Supervisionou pessoalmente a manufatura de grande parte dos manuscritos que preservam sua obra, e esse cuidado fez com que sua produção represente boa parte do que hoje se conhece de música do século XIV. Sua obra circulou por toda a Europa, chegou até Chipre, às portas da Ásia, e ele foi chorado por reis, artistas e intelectuais quando morreu.

  • Kyrie da Missa de Notre-Dame (versão instrumental midi)
  • Balada Riches d'amour et mandians d'amie (versão instrumental midi)

Francesco Landini

Cego desde pequeno por causa da varíola, Francesco Landini (1325 - 1397) desde logo devotou-se à música e dominou vários instrumentos, o canto, a poesia e a composição. A ele se atribui a invenção de um instrumento chamado syrena syrenarum, que combinava características do alaúde e do saltério. Crônicas de época contam que ele recebeu como prêmio por seu talento uma coroa de louros do rei de Chipre, e outras referem que sua música era tão tocante que os corações saltavam no peito dos ouvintes. Landini foi o mais notável compositor da Ars nova italiana e também um integrante da escola Ars subtilior. Da sua produção nos chegaram exclusivamente peças seculares, embora haja registro de ter composto também obras sacras. Se conhecem cerca de 90 baladas para duas vozes, 40 baladas para três vozes, e outras que existem em versões para duas e três vozes. Também deixou alguns madrigais, um virelai e uma caccia. Aparentemente ele mesmo escreveu os textos para boa parte de suas músicas. Sua produção, preservada principalmente no Codex Squarcialupi, representa quase um quarto de toda a música italiana do século XIV que sobreviveu. Landini emprestou seu nome para a Cadência Landini, uma fórmula musical onde o sexto grau da escala diatônica é inserido entre a sensível e a tônica. Embora não tenha sido o criador deste recurso nem seu único utilizador, ele é encontrado de forma consistente em sua produção, o que justifica a homenagem. Em sua música a voz superior é quase sempre a de maior importância e têm um perfil vocal bem caracterizado, sendo muito ornamentada. Suas texturas polifônicas são complexas e límpidas, mas suas peças carecem de uma forte ligação entre texto e música; em contrapartida sua atmosfera é vivaz, elegante e alegre.

  • Balada Ecco la primavera (versão instrumental midi)
  • Balada Si dolce non sono (versão instrumental midi)

Johannes Ciconia

Nascido em Liège, Johannes Ciconia (c.1365 - 1412) foi o maior músico do norte ativo na Itália, estabelecendo-se em Pádua a partir de 1401 até sua morte. Compositor celebrado, sua obra foi muito conhecida em outros países, influenciando compositores até o século XV, e compreende cerca de trinta motetos, dez madrigais, sete ballate e cerca de dez movimentos de missa, que integram os estilos francês e italiano e absorvem a estética da Ars subtilior. Muitas de suas obras seculares são festivas, criadas para eventos cívicos e como homenagens a personalidades da política local. Além de sua produção musical deixou três tratados teóricos. Seus motetos trazem complexas relações polifônicas, fazendo uso do isorritmo, e foi um dos introdutores dessa forma na Itália. Em seus movimentos de missa deu grande liberdade às vozes superiores e estabeleceu claras divisões em seções para solos e outras para o coro. É considerado um dos fundadores na música do estilo do Gótico internacional do século XV, e sua estatura como compositor introduziu uma moda na Itália de se contratar mestres estrangeiros.

  • Moteto O Padua, sidus praeclarum (versão instrumental midi)

Ars subtilior

A derradeira floração da corrente principal da Ars nova foi a escola que Ursula Günther nos anos 60 denominou de Ars subtilior, "a arte mais sutil", surgida a partir da segunda metade do século XIV. Justifica-se o uso deste termo, pois se os primeiros compositores do século XIV desenvolveram uma rica variedade de técnicas compositivas e notacionais, seus últimos representantes levaram essa complexidade ao seus extremos. Isso fica evidente tanto na sua música como em seus manuscritos, alguns com pautas em formas exóticas como o círculo, a espiral e o coração, presente em peças de Baude Cordier e outros. A principal fonte documental dessa produção é o Codex de Chantilly, que faz uso dos sistemas de notação francês e italiano em misturas variáveis. A música da Ars subtilior é altamente refinada, complexa e difícil de executar, e originalmente pode ter sido destinada a círculos de especialistas. Tratava de temas profanos em sua grande maioria, como o amor, cavalaria, guerra e elogios a personalidades. Por sua técnica avançada constituía a vanguarda da época, e muitas vezes por suas abstrações formais e singularidades técnicas esta escola é comparada com a produção contemporânea de música experimental. Apesar de sua erudição por vezes hermética, seus integrantes eram largamente conhecidos e suas músicas tiveram significativa circulação, ainda que este estilo não tenha gerado uma descendência direta. O centro inicial de difusão foi Avinhão, nesta época sede do papado. Dali se irradiou para Paris, penetrou na Espanha e atingiu Chipre, que era um centro diretamente influenciado pela França. Mais tarde o estilo chegou à Itália e também produziu alguns frutos. A Ars subtilior nasceu como uma derivação da escola de Machaut, levada a cabo por compositores como Francesco Landini, Jacob Senleches, Johannes Ciconia, Matteo da Perugia e Solage. Alguns exemplos, como a célebre ballade Fumeux fume par fumée de Solage, mostram uma escrita harmônica muito avançada para sua época, com cromatismos ousados, progressões deceptivas e cadências falsas, além de um ritmo dinâmico e entrecortado.

Muitas das obras da Ars subtilior representam quebra-cabeças musicais, com partes de mesma melodia notada de formas diferentes, com notas pontuadas ou vermelhas que alteram outras notas pontuadas e vermelhas, formas de notas não sistematizadas em compêndios e notas conhecidas interpretadas de formas arbitrárias, notas coloridas em pelo menos quatro cores diferentes, tessituras impossível para as vozes humanas e a maior parte dos instrumentos usuais na época, e ritmos que se modificam a cada compasso ou são superpostos em metros diferentes, além de várias peças trazerem textos metalinguísticos e outras fazerem uso de recursos polifônicos intrincados como o cânone retrógrado ou em espelho. Esses elementos em conjunto produzem à audição um efeito quase impressionístico. Por tantos motivos sua transcrição moderna é a mais crivada de dificuldades de todo o repertório Ars nova, e em não raros casos sua reconstituição é no máximo conjetural.

  • Jacob de Senleches - balada Fuions de ci (versão instrumental midi)
  • Solage - balada Fumeux fume par fumée (versão instrumental midi)

Ars nova na Inglaterra, Alemanha e Espanha

A influência dos modelos continentais se fez sentir com muito atraso na Inglaterra. Somente entre 1350 e 1360 o impacto da Ars nova francesa suplantou a tendência ao tradicionalismo notacional, e rapidamente a notação local evoluiu para acompanhar as várias novas subdivisões práticas da unidade de medida básica e registrar as pesquisas rítmicas mais avançadas. Não apareceu nenhum compositor de vulto no século XIV inglês, a maior quantidade de obras provêm de autores anônimos ou obscuros em compilações coletivas, das quais a mais importante é o Manuscrito de Old Hall, e muitas das peças conhecidas na Inglaterra são de origem incerta, podendo ser importações francesas. Curiosamente, em termos de estilo permaneceram vivas ao longo do século XIV tradições arraigadas como o fabordão, o organum e o discantus improvisado, ao mesmo tempo em que os compositores da vanguarda já trabalhavam com o isorritmo e a criação de peças de grande unidade estrutural. Segundo John Caldwell grande parte da música inglesa do século XIV não chegou a níveis superiores de qualidade, comparáveis à poesia do mesmo período ou a mestres continentais como Machaut e Landini, e toda essa produção ocupou um papel secundário na vida cultural do país. Compositores importantes que fizeram uso de técnicas Ars nova só floresceram no século seguinte, destacando-se entre todos Leonel Power e John Dunstable, que dominaram a cena musical inglesa da primeira metade do século XV e se tornaram conhecidos no resto da Europa. Embora devedores da música francesa, desenvolveram um estilo bastante eclético, ao mesmo tempo individual e tipicamente inglês, misturando livremente arcaísmos a inovações, mas deixando obras avançadas especialmente na forma de motetos isorrítmicos e na missa cíclica, que usa um mesmo motivo gregoriano de base para todos os movimentos. Também fizeram um uso hábil e extenso dos intervalos de sexta e terça, o que deu à sua música um caráter melífluo original, aproximando-os da estética renascentista e influenciando muitos músicos do continente.

  • Leonel Power - Ave Regina (versão instrumental midi)
  • John Dunstable - moteto O rosa bella (versão instrumental midi)

Na Alemanha a única figura importante a ser citada é a de Oswald von Wolkenstein, poeta, compositor e diplomata. Tinha uma mente excepcionalmente aberta a inovações e foi um dos primeiros poetas alemães a estabelecerem fortes relações entre texto e música. Fez muitas experiências com os recursos da Ars nova e obteve efeitos surpreendentes, e demonstrou possuir um estilo muito individual, a meio caminho da estética da Idade Média e do Renascimento. Na Espanha parece ter havido desde o início grande interesse nos procedimentos da Ars nova. Como já foi mencionado, entre as primeiras missas completas compostas nessa técnica estava a Missa Barcelona, e as evidências encontradas em vários manuscritos musicais, entre eles o Llibre Vermell de Montserrat, indicam uma forte dependência da França. O principal centro de cultivo foi o antigo reino de Aragão, que em sua origem fora um condado franco, e especialmente durante a segunda metade do século XIV, até o início do seguinte, a estética Ars subtilior foi bastante apreciada. Especialmente o rei João I era um ardoroso francófilo, e foi provavelmente para a sua corte que foi compilada a maior fonte de música Ars subtilior existente, o Codex de Chantilly. Essa hipótese não é um consenso, mas o conteúdo textual das peças do Codex traz muitas referências explícitas a personagens relacionados àquela corte, inclusive o próprio rei, e erros de transcrição do francês apontam claramente para um escriba espanhol.

Fortuna crítica

A estética Ars nova começou a desaparecer com o declínio da escola Ars subtilior e a migração do principal centro de atividade musical de Avinhão e Paris para a Borgonha no início do século XV, onde floresceu a Escola da Borgonha, considerada a primeira etapa da música do Renascimento. A notação Ars nova, contudo, continuou em vigor pelo menos até a metade do século XV, mas se o uso de proporções matemáticas ampliou as possibilidades de escrita e redefiniu a estética da música, terminou por exacerbar as ambiguidades da notação, criando por fim o resultado oposto ao desejado pelos teóricos, que havia sido o de clarificar a notação, e o que se produziu foi uma confusão inextrincável. Por exemplo, os sinais de adição ou subtração nem sempre eram uma indicação clara de em que quantidade a nota devia ser alterada, quando havia justaposição de tempos perfeitos e imperfeitos a unidade de medida básica tinha um valor indefinido, numa linha total de valores os valores relativos não podiam ser quantificados com exatidão, já que não era claro se as proporções cumulativas surgiam em cascata ou se referiam sempre ao valor inicial, e assim por diante. Com o crescimento exponencial de novas e complexas relações mensurais e com a igualmente desesperadora multiplicação de sinais para indicar essas relações, que variavam segundo as escolas regionais, as preferências pessoais dos compositores e as muitas tradições teóricas, em meados dos século XV o panorama notacional europeu já se tornara uma Babel, e foi necessário que surgisse um vulto capaz de unificar toda essa diversidade, Johannes Tinctoris. Além disso, as próprias bases filosóficas da música estavam passando por um processo de mudança e, por assim dizer, dessacralização. O mesmo Tinctoris, em seu tratado Liber de arte contrapuncti de 1477, sinalizou a mudança:

"Não esconderei o fato de ter estudado o que os antigos filósofos, como Platão e Aristóteles, assim como seus sucessores, Cícero, Macróbio, Boécio e Isidoro, escreveram sobre a harmonia das esferas. Visto que descobri que eles diferem em seus ensinamentos, voltei-me desde Aristóteles até o mais moderno dos filósofos, e nenhum deles me fez crer que as consonâncias musicais surgem do movimento dos corpos celestes, pois elas só podem ser produzidas por instrumentos terrestres".

Quando ele publicou este e vários outros tratados, a Ars nova já havia desaparecido, e permaneceria esquecida até o fim do século XVIII, quando na esteira do movimento romântico e do nascimento dos estudos medievalistas reapareceu um interesse pela música Ars nova, que foi estudada sem especificidade no contexto maior da música medieval por historiadores e musicólogos como Martin Gerbert, Charles Burney e Johann Nikolaus Forkel. Mas nessa altura o conhecimento das práticas medievais havia se perdido inteiramente, o instrumental usado naquela época havia desaparecido quase todo e o sistema notacional Ars nova ainda era para os românticos quase um completo mistério, e quando decifrado, a música resultante em boa parte não fazia sentido nem para os eruditos. Para eles o que as partituras diziam aparecia como impossível de ser cantado, e então se tentou reconstruir e rearranjar as composições aplicando-lhes arbitrariamente critérios modernos, o que deu margem a uma série de grandes equívocos. Progressos importantes foram feitos somente no início do século XX, quando vários pesquisadores puderam oferecer transcrições de um grande número de composições e Johannes Wolf publicou entre 1904 e 1905 seu Geschichte der Mensuralnotation, que disponibilizou pela primeira vez uma significativa coleção de peças do século XIV. Outra contribuição essencial foi a de Hugo Riemann, com seu Handbuch der Musikgeschichte, da mesma época, já fazendo uma distinção entre os estilos francês e italiano e reconhecendo a importância de Philippe de Vitry, chamando-o de o criador da Ars nova. Ambos os trabalhos lançaram os fundamentos da musicologia medieval, mas ainda pairava uma imensidade de dúvidas sobre todos aspectos da música da Idade Média e sua apreciação dela continuava contaminada por uma invencível tendência de analisá-la através da perspectiva estética e técnica das escolas clássica e romântica. A partir disso, editaram as composições mudando seus textos de lugar para se adequarem ao senso moderno de prosódia, os ritmos foram transcritos dentro de compassos padronizados, perdendo-se toda a percepção visual de suas sutilezas, as vozes superiores foram despidas de suas figurações rápidas, e o esqueleto restante estudado no contexto da harmonia vertical e das progressões harmônicas típicas do sistema de temperamento igual, obviamente levando a conclusões altamente desfavoráveis. Um trecho de outro estudioso, François-Joseph Fétis, é ilustrativo da resposta romântica à música medieval:

"Os monges Huchbald de Saint-Amand e Odon de Cluny, escrevendo no século X, são os primeiros da falar de diafonia e organum. Gradualmente as pessoas ficaram mais audazes e escreveram harmonias a três e quatro vozes que chamaram de trifonia e tetrafonia, mas, santo Deus, que raios de harmonia! Todo mundo sabe que as sucessões de quintas ou oitavas paralelas hoje são proibidas por causa do seu efeito duro e rude. Os ouvidos franceses de nossos ancestrais deviam ser mais endurecidos pelos gritos das batalhas do que os nossos, pois suas tetrafonias consistem em cadeias de quintas, quartas e oitavas que eram ouvidas ao longo de toda uma antífona ou litania. Ademais, eles se deleitavam tanto nessa cacofonia que aqueles que encomendavam missas cantadas voluntariamente pagavam seis deniers pelo prazer de ouví-las, enquanto que davam somente dois deniers pelas de canto gregoriano".

Outro, François-Louis Perne, disse sobre a Messe de Nostre Dame, de Machaut:

"Não há como negar que a harmonia de sua Missa não tem nenhum atrativo para um ouvido refinado. Seu efeito é duro e selvagem, a cada passo o som é traído por falsas relações, por quintas e oitavas paralelas que se sucedem aos saltos. Os fundamentos dessa harmonia são compostos nada mais nada menos do que por quartas, quintas e oitavas. Raramente aparece uma terça ou uma sexta para suavizar a dureza que resulta desse arranjo bizarro. Devemos acrescentar que o ritmo desta composição não é mais digno de nota do que sua harmonia. Assim os modernos devem julgar essas peças como monstruosidades. … Mas deve-nos surpreender a grandeza do gênio exigido para compor uma Missa inteira em quatro partes sem empregar nada além de quintas, quartas e oitavas, e formar em cada voz uma melodia similar ao cantochão principal".

As visões editoriais e estéticas de Wolf, Riemann e outros que seguiam os mesmos princípios se tornaram populares, a ponto de se criar uma noção de música medieval que era na prática um arranjo moderno para satisfazer os gostos modernos, um erro básico que originou por sua vez uma tradição fundamente arraigada difícil de superar mais tarde, que ecoa ainda nos dias de hoje, a despeito de seus numerosos equívocos já terem ficado patentes e terem sido corrigidos pela pesquisa mais atualizada.

Em torno de 1910-1920, Arnold Schering começou a desenvolver outra linha de abordagem, entendendo melhor o caráter contrapontístico e a linearidade horizontal da música medieval. Oportunamente, ele escreveu dizendo que "a atenção não está tanto no soar simultâneo das vozes, mas sim em seu desenvolvimento horizontal e em sua fluência natural umas ao lado das outras. Pois no tempo de Machaut os acordes não eram encadeados uns aos outros, mas livres, uma peculiaridade que aproxima sua música da música contemporânea". Na mesma época Rudolf Ficker expressava uma opinião semelhante, procurando contextualizar a prática musical contra o pano de fundo da sociedade da época, reconhecendo que as valorações estéticas mudam de acordo com os tempos e dizendo que o estudo da música medieval era uma chave para a compreensão global daquele período, ainda que ele fosse mais um elucubrador fantasioso sem grandes bases factuais; mesmo assim sua posição procurava respeitar a autenticidade histórica. Um passo adiante foi dado pouco mais tarde por Heinrich Besseler, que estava primariamente interessado no desenvolvimento das linguagens musicais harmônicas ao longo da história, e já dispunha de dados concretos muito mais ricos do que seus predecessores sobre onde trabalhar, além de depositar grande importância no estudo da história da performance e da interpretação como uma entidade autônoma dentro da musicologia, construindo uma interessante teoria da percepção da música medieval. Para Besseler a música medieval era antes de tudo um objeto funcional, a ser estudado no contexto da vida cotidiana, a não o produto de uma suposta "espiritualidade mística", como era uma opinião ainda comum nos anos em que escreveu, e assim, conhecer seus meios de produção era uma via de acesso à sua correta contextualização histórica e à sua compreensão em termos puramente musicais. Entretanto, analisando exemplos de música Ars nova, centrando seus estudos na evolução do pensamento harmônico, ele ainda tendia a interpretá-los através de uma óptica teleológica, vendo a Ars nova como uma fase inicial de uma arte em busca de uma maior sofisticação, e lendo-a através da técnica da progressão de acordes, mas seu diferencial em relação aos seus antecessores era que foi capaz de não apenas ter prazer na sua audição, mas teve também seu entusiasmo desperto, reconhecendo que estava diante de um estilo já íntegro e que possuía suas próprias leis. Enfim, ele pensava que para o ouvinte moderno ser capaz de apreciar a música da Ars nova em seu próprio direito, era preciso que se educasse em uma nova forma de percepção do fenômeno sonoro, abandonando os preconceitos românticos ainda prevalentes.

Logo depois da II Guerra Mundial outra contribuição importante foi dada nos Estados Unidos pelo emigrado alemão Willi Apel, trabalhando com a questão da notação das armaduras de clave e acidentes em sua tese de doutorado e em estudos posteriores, que foram em conjunto a primeira pesquisa substancial nessa área depois da publicação de Wolf no início do século, e supriram uma premente necessidade da musicologia norteamericana de seu tempo, que estava sendo rapidamente desenvolvida com o afluxo de vários musicólogos alemães e austríacos refugiados da guerra. Depois dele o terreno começou a se expandir, apareceram as primeiras gravações de peças de Machaut e sua obra integral foi editada, alguns outros compositores como Vitry também tiveram obras publicadas, mas não foi antes da década de 1960 que a música medieval começou a penetrar no repertório de concerto, até ali permanecendo ainda um domínio dos musicólogos e historiadores, e sua ressurreição definitiva se deveu em parte aos compositores contemporâneos, entre eles Igor Stravinsky, Peter Maxwell Davies, Olivier Messiaen e Harrison Birtwistle, que estavam tão à margem da grande corrente clássico-romântica quanto os medievais. Segundo Mark Delaere, eles perceberam o potencial subversivo tanto da música medieval quanto da contemporânea, que se tornaram então parceiras no "crime" de tentar fundar uma contracultura. Para os novos músicos, as inovações da Ars nova soavam tão radicais quanto as propostas da sua própria vanguarda, libertando a notação, o pensamento e a linguagem musicais, especialmente o contraponto, das amarras dos seus respectivos períodos precedentes, substituíram esquemas antes tidos como universais por procedimentos com capacidades novas aparentemente infinitas, e da mesma forma ambas as liberdades totais tiveram de ser organizadas em esquemas limitantes como o isorritmo e o serialismo. Identificando essas similaridades, tornou-se natural que vários dos novos compositores passassem a fazer uso de recursos inspirados na Ars nova para suas próprias composições e fizessem arranjos de peças medievais para serem executados por grupos de música de vanguarda, e nos anos 1970 concertos com peças antigas e modernas no mesmo programa se tornaram comuns. O que lhes parecia mais atraente, em termos práticos, era a maneira pela qual os compositores Ars nova lidavam com o ritmo como um componente relativamente autônomo e como o relacionavam com os intervalos e as proporções matemáticas. De fato, Ernst Krenek apontou os esquemas rítmicos e proporcionais da Ars nova como uma inspiração direta para o nascimento do serialismo.

Atualmente situação da Ars nova na cena musical internacional é em geral muito favorável. Já existe uma grande discografia qualificada circulando, os concertos exclusivamente devotados a ela também são numerosos, e as publicações teóricas se multiplicam, evidenciando que o seu estilo e suas concepções estéticas exercem um grande apelo para o público de hoje, tanto de especialistas como de leigos. Mas apesar desse avanço considerável, ainda permanecem muitos aspectos obscuros no conhecimento moderno das práticas musicais daquele tempo, refletindo-se tanto no terreno da decifração da notação como na editoração e interpretação prática daquele acervo musical, a ponto de Theodore Karp dizer que a disciplina ainda está na sua infância. Contudo, alguns críticos não sustentam uma opinião muito favorável sobre ela e refutam seus pressupostos. Joscelyn Godwin acusou os compositores e teóricos da Ars nova de se inserirem numa corrente de desespiritualização da música e de erguerem seu edifício conceitual sobre bases vazias de vitalidade verdadeira, consistindo em suma apenas num modismo irrelevante alheio aos interesses mais profundos do ser humano. John Winsor, em seu ataque à música contemporânea, aproveitou para criticar a música Ars nova chamando-a, como à outra, de equivocada, e dizendo que os seus compositores se perderam em intrincadas arquiteturas rítmicas, de apelo essencialmente textual, intelectual e matemático, sem um princípio organizador sólido, e pela sua complexidade excessiva excluíam o ouvinte da participação, além de eles serem incapazes de estabelecer um contexto estável para a criação de estruturas complexas de valor perene, vendo em suma a produção Ars nova apenas como uma curiosidade histórica. Mas declarações como estas são minoritárias, e a maior parte da bibliografia assinala o caráter dinâmico e inovador da Ars nova, reiterando a importância de sua reforma do sistema notacional e vendo seu espírito de pesquisa como a marca de um dos períodos mais movimentados e interessantes da história da música do ocidente, que em pouco mais de um século foi capaz de mudar radicalmente um panorama conceitual, metodológico, formal e estético que permanecia mais ou menos imóvel há mil anos, sendo comparada muitas vezes à revolução da música moderna e contemporânea pela largueza e profundidade das inovações que introduziu.

Ver também

  • História da música
  • Música medieval
  • Música renascentista
  • Teoria musical
  • Polifonia
  • Contraponto
  • Música sacra

Referências


Text submitted to CC-BY-SA license. Source: Ars nova by Wikipedia (Historical)


Oxford Camerata


Oxford Camerata


O Oxford Camerata é um coro de câmara inglês com sede em Oxford, Inglaterra. O Camerata foi fundado em 1984 pelo maestro Jeremy Summerly e pelos cantores David Hurley e Henrietta Cowling e fez sua primeira apresentação em 22 de maio daquele ano. O conjunto consiste em uma composição de quinze cantores, embora o tamanho do pessoal varie de acordo com as demandas do repertório. Embora o Camerata seja conhecido por apresentar um repertório principalmente desacompanhado, ele também executou um repertório acompanhado, empregando os serviços do Oxford Camerata Instrumental Ensemble (fundado em 1992) e da Oxford Camerata Baroque Orchestra (fundada em 2007).

Gravações

O Camerata ficou conhecido por suas interpretações da música antiga, após o lançamento de várias gravações na Naxos Records nas décadas de 1990 e 2000. Na primavera de 1991, Naxos assinou Summerly and the Camerata para um contrato de cinco álbuns para gravar várias obras-primas do Renascimento, com sessões de gravação começando em julho daquele ano. Após o sucesso dos cinco álbuns iniciais, Naxos continuou a lançar álbuns do Camerata, eventualmente ramificando-se além do repertório renascentista, incluindo gravações da versão original de 1888 do Requiem de Fauré e música medieval de Hildegarda de Bingen.

Discografia

Todas as gravações realizadas por Jeremy Summerly.

  • Palestrina: Missa Papae Marcelli, Missa Aeterna Christi Munera, abril de 1992 (Naxos 8.550573)
  • Lamentations ( Branco, Tallis, Palestrina, Lassus, de Brito ), maio de 1992 (Naxos 8.550572)
  • Byrd: Mass for Four Voices, Missa para cinco vozes, Infelix ego, julho de 1992 (Naxos 8.550574)
  • Victoria: Missa O magnum mysterium, Missa O quam gloriosum / Lobo : Versa est in luctum, fevereiro de 1993 (Naxos8.550575)
  • Tallis: Mass for Four Voices, Motets, outubro de 1993 (Naxos 8.550576)
  • Medieval Carols, outubro de 1993 (Naxos 8.550751)
  • Gesualdo:Complete Sacred Music for Five Voices, novembro de 1993 (Naxos 8.550742)
  • Allegri: Miserere and Other Choral Masterpieces (compilação com outros artistas), novembro de 1993 (Naxos 8.550827) *
  • Lassus: Masses for Five Voices, Infelix ego, novembro de 1993 (Naxos 8.550842)
  • Fauré: Requiem (versão de 1888), Messe basse, Cantique de Jean Racine / Vierne: Andantino / de Séverac: Tantum ergo (com Lisa Beckley, Nicholas Gedge, Schola Cantorum de Oxford ), abril de 1994 (Naxos 8.550765)
  • Renaissance Masterpieces ( Ockeghem, Josquin, Morales, Lhéritier, Rogier, Clemens ), maio de 1994 (Naxos 8.550843)
  • Tye: Missa Euge bone, Peccavimus, Omnes gentes / Mundy : Kyrie, Magnificat, julho de 1994 (Naxos 8.550937)
  • Purcell: Full Anthems & Organ Music, Music on the Death of Queem Mary ( Laurence Cummings, órgão), fevereiro de 1995 (Naxos 8.553129)
  • Hildegard von Bingen: Revelations Heavenly, abril de 1995 (Naxos 8.550998)
  • Dufay: Missa L'homme armé, Supremum est mortalibus bonum, abril de 1995 (Naxos 8.553087)
  • Byrd : Mass for Four Voices, Mass for Five Voices / Tallis : Mass for Four Voices, setembro de 1995 (Naxos 8.553239) †
  • Victoria / A. Lobo / D. Lobo / Lassus: Masses (com Schola Cantorum de Oxford ), setembro de 1995 (Naxos 8.553240) ‡
  • Palestrina: Missa Papae Marcelli, Missa Aeterna Christi Munera, Stabat mater ( Schola Cantorum de Oxford ) / Allegri : Miserere, dezembro de 1995 (Naxos 8.553238) §
  • Gibbons: Choral and Organ Music ( Laurence Cummings, órgão), janeiro de 1996 (Naxos 8.553130)
  • Weelkes: Anthems, janeiro de 1996 (Naxos 8.553209)
  • Schütz: Psalmen Davids, julho de 1996 (Naxos 8.553044)
  • English Madrigals and Songs, agosto de 1996 (Naxos 8.553088)
  • Schütz: The Christmas Story, Cantiones sacrae, Salmo 100, setembro de 1996 (Naxos 8.553514)
  • Machaut: La Messe de Nostre Dame, músicas de Le Voir Dit, outubro de 1996 (Naxos 8.553833)
  • Obrecht: Missa Caput, Salve Regina, janeiro de 1998 (Naxos 8.553210)
  • Josquin: Missa L'homme armé, Ave Maria, Absalon fili me, março de 1998 (Naxos 8.553428)
  • Local: Missa L'homme armé, Ave Maria, Alma Redemptoris Mater / Josquin: Memorando esto verbi tui, março de 1998 (Naxos 8.554297)
  • Willaert: Missa Christus resurgens, Magnificat sexti toni, Ave Maria, novembro de 1998 (Naxos 8.553211)
  • Let Voices Resound: Songs from Piae Cantiones (vozes femininas), janeiro de 1999 (Naxos 8.553578)
  • Tomkins: Choral and Organ Music ( Laurence Cummings, órgão), setembro de 1999 (Naxos 8.553794)
  • Tallis: Spem in alium, Missa Salve intemerata, junho de 2005 (Naxos 8.557770)
  • Gombert: Magnificat I, Salve Regina, Credo, Tulerunt Dominum, janeiro de 2006 (Naxos 8.557732)
  • Hildegard von Bingen: Celestial Harmonies, maio de 2008 (Naxos 8.557983)

* First release of Oxford Camerata recording of Miserere; reissue of Palestrina Lesson I for Maundy Thursday from Naxos 8.550572

† Compilation of recordings previously released on Naxos 8.550574 and Naxos 8.550576‡ Compilation of recordings previously released on Naxos 8.550575, Naxos 8.550682 (Schola Cantorum of Oxford/Summerly) and Naxos 8.550842§ Reissue of Naxos 8.550573 with addition of Schola Cantorum of Oxford/Summerly recording of Palestrina Stabat mater from Naxos 8.550836 and Oxford Camerata recording of Allegri Miserere from Naxos 8.550827

Referências


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Palácio dos Papas de Avinhão


Palácio dos Papas de Avinhão


O Palácio dos Papas (em francês Palais des Papes) em Avinhão, França, é uma das maiores e mais importantes construções góticas da Idade Média na Europa. Ao mesmo tempo fortaleza e palácio, a residência pontifícia foi, durante o século XIV, a sede da cristandade do Ocidente. Avinhão tornou-se na residência dos papas em 1309, quando o papa Clemente V, não querendo voltar a Roma depois do caos da sua eleição, mudou a corte papal para Avinhão. No palácio de Avinhão realizaram-se seis conclaves, dos quais resultaram as eleições dos papas Bento XII, em 1335; Clemente VI, em 1342; Inocêncio VI, em 1352; Urbano V, em 1362; Gregório XI, em 1370; e do Antipapa Bento XIII, em 1394.

O palácio, que resulta da fusão de dois edifícios - o palácio velho de Bento XII, verdadeira fortaleza assente sobre o inexpugnável rochedo dos Doms, e o palácio novo de Clemente VI, o mais faustoso dos pontífices de Avinhão - é, não somente, um dos maiores edifícios góticos, mas também aquele em que se exprimiu o estilo gótico internacional em toda a sua plenitude. É o fruto, pela sua construção e ornamentação, do trabalho conjunto dos melhores arquitetos franceses, Pierre Peysson e Jean du Louvres (apelidado de Loubières), e do maior pintor de afresco da Escola de Siena, Simone Martini.

Além disso, a biblioteca pontifícia de Avinhão - a maior da Europa, na época, com os seus dois mil volumes - cristalizou à sua volta um grupo de clérigos apaixonados pelas belas letras na continuidade de Petrarca, o fundador do humanismo, enquanto a capela clementina, apelidada de Grande Capela, atraía compositores, chantres e músicos. Foi lá que Clemente VI apreciou a Messe de Notre Dame (Missa de Nossa Senhora), de Guillaume de Machaut; que Philippe de Vitry, a seu convite, pôde dar a plena medida à sua Ars Nova e para onde Johannes Ciconia foi estudar.

O palácio também foi o lugar que, pela sua amplitude, permitiu "uma transformação geral do modo de vida e organização da Igreja". Facilitou a centralização de serviços e a adaptação do seu funcionamento às necessidades pontifícias, permitindo criar uma verdadeira administração. Os efetivos da Cúria, de 200, no final do século XIII, passaram a 300 no início do século XIV, para chegar a 500 pessoas em 1316. A esses, juntavam-se mais de um milhar de funcionários laicos que podiam trabalhar no interior do palácio.

No entanto, aquilo que, pela sua estrutura e funcionamento, havia permitido à Igreja adaptar-se "para que ela pudesse continuar a cumprir eficazmente a sua missão" tornou-se obsoleto quando os pontífices de Avinhão julgaram necessário regressar a Roma. A esperança numa reconciliação entre os cristianismos latino e ortodoxo, juntamente com a consumação da pacificação dos Estados Pontifícios na península Itálica, forneceram as bases reais para esse regresso.

A estes factos, juntou-se a convicção de Urbano V e Gregório XI de que a sede do papado não podia estar senão no lugar onde se encontra a sepultura de Pedro, o primeiro pontífice. Apesar das dificuldades materiais, da oposição da Corte de França e das fortes reticências do Colégio dos Cardeais, ambos se dotaram de meios para regressar a Roma; o primeiro deixou Avinhão no dia 30 de abril de 1362 e o segundo no dia 13 de setembro de 1376, sendo desta vez a instalação definitiva.

Apesar do regresso de dois antipapas, que fizeram de Avinhão a sua sede aquando do Grande Cisma do Ocidente, e da presença constante, entre o século XV e o século XVIII, de cardeais-legados e, depois, de vice-legados, o palácio perdeu todo o seu antigo esplendor mas conservou, sem contar com a "obra de destruição", este aspecto registado por Montalembert:

Durante a Revolução Francesa, foi saqueado pelas forças revolucionárias. Em 1791, tornou-se no local de um massacre de contrarrevolucionários, cujos corpos foram atirados para a Torre das Latrinas (Tour des Latrines), localizada na parte velha do palácio.

O palácio foi depois tomado por Napoleão Bonaparte e utilizado como quartel e prisão. Durante a Terceira República Francesa, muitas das obras de arte e afrescos foram destruídos ou cobertos. Em 1906, tornou-se num museu nacional e permanece em constante restauro, mas aberto ao público.

A partir de 1995, o Palácio dos Papas, juntamente com o Centro Histórico de Avinhão, passou a estar classificado na Lista do Património Mundial da UNESCO, com os critérios culturais i, ii e iv.

Localização

O Palácio dos Papas está situado na parte norte da Avinhão intramuros. Foi construído sobre uma protuberância rochosa ao norte da cidade, o Rochedo dos Doms, dominando a margem esquerda do rio Ródano.

O seu tamanho imponente e o seu apoio contra o rochedo permitem-lhe, ao mesmo tempo, dominar a cidade e ser visto de muito longe. Um dos melhores pontos de vista, e não por coincidência, encontra-se na outra margem do Ródano, no Monte Andaon, promontório sobre o qual está construído o Fort Saint-André, de Villeneuve-lès-Avignon. Também é visível a partir do cume dos Alpilles, ou seja, pouco menos de uma vintena de quilómetros a sul.

História

No século XIII, antes da chegada dos papas a Avinhão, o rochedo sobre o qual seria construído o palácio, tal como o conhecemos hoje, estava em parte reservado a moinhos de vento, em parte ocupado por habitações dominadas pelo palácio do Podestat, não longe do local onde se encontrava o palácio do bispo, assim como a Catedral de Notre-Dame dos Doms de Avinhão, únicos sobreviventes das construções anteriores à chegada dos pontífices.

Estudos sobre o Palais des Papes

O Palácio dos Papas é uma das construções medievais sobre as quais os pesquisadores dispõem duma das mais ricas documentações, embora os primeiros estudos históricos a partir dos arquivos pontifícios italianos datem, apenas, de 1890, ano em que estiveram acessíveis os Arquivos Secretos do Vaticano. Na França, porém, Étienne Baluze havia publicado, a partir de 1693, a sua gigantesca Vitae paparum Avenionensium, sive collectio actorum veterum, com base nos arquivos de Avinhão.

O erudito de Corrèze reagrupou um grande número de textos, atas e outros escritos e bulas, relativos à construção e à vida do palácio pontifício de Avinhão. No entanto é necessário esperar mais de um século e meio para que um erudito se dedique a estudar o próprio palácio. Foi J.M.A. Chaix que, em 1849, empreendeu um primeiro estudo dos afrescos. Quanto ao estudo histórico e arqueológico, foi feito, em 1855, por Jules Courtet. Coube, de seguida, a Eugène Viollet-le-Duc publicar, no início da década de 1870, o primeiro estudo arquitectónico sobre o palácio e os baluartes de Avinhão.

Na década seguinte, em 1882, teve lugar em Avinhão o Congresso Arqueológico de França. Este acontecimento foi a ocasião para o arcebispo departamental, Louis Duhamel, apresentar duas comunicações aos congressistas centradas no palácio pontifício. Desenhava-se uma nova abordagem do estudo do maior monumento de Avinhão que iria permitir uma percepção diferente da sua história.

Noël Coulet, professor emérito da Universidade de Provença, constatou que "a historiografia provençal dos séculos XVII e XVIII é igualmente tributária duma tradição já formada. Trata-se principalmente duma tradição italiana (para não dizer papal neste final do século XIV em que a igreja se vai dividir entre o papa de Roma e o papa de Avinhão). Foi só depois de um século que, a exemplo de Noël Valois, os historiadores compreenderam que este período não podia ser estudado senão confrontando os arquivos de Avinhão com os do Vaticano".

Depois da publicação por Fr. Ehrle, em 1890, da sua Historia Bibliotheca romanorum Pontificum tum Bonifatianæ tum Avinionensis, é este método que seguirão K. H. Shäfer e Robert André-Michel. O primeiro editou, entre 1911 e 1937, as contas da Reverenda Câmara Apostólica de Avinhão - o Ministério das Finanças pontifício - nas quais a construção do palácio tem um lugar importante, enquanto que o segundo publicou, em 1917 e 1918, toda uma série de documentos inéditos sobre o Palais des Papes.

Foi dentro desta mesma via que se dirigiu o Dr. Gabriel Colombe que, de 1909 a 1945, publicou essencialmente nas Mémoires de l'Académie de Vaucluse (Memórias da Academia de Vaucluse), sob o título geral de Recherches et critiques archéologiques (Pesquisas e críticas arqueológicas), mais de sessenta estudos sobre o palácio. Na mesma época, um outro natural de Avinhão, Joseph Girard, fez o mesmo entre 1909 e 1958. Durante este meio século, fez editar onze estudos e obras sobre este tema. O seu sucessor foi Sylvain Gagnière, conservador do palácio, que apoiou a sua erudição em importantes escavações arqueológicas in situ e publicou o resultado das suas pesquisas em vinte sete obras, de 1962 a 1991.

Origem e implantação - a escolha de Avinhão

Depois da sua eleição em Perúgia, no dia 24 de julho de 1305, e da sua coroação em Lyon, no dia 15 de novembro do mesmo ano, o papa Clemente V, que recusou regressar a Roma onde se desencadeava a luta entre Guelfos e Gibelinos, empreendeu uma longa errância pelo Reino de França e pela Guiana inglesa. O antigo arcebispo de Bordéus havia sido eleito graças ao apoio do rei de França, do qual era o sujeito mas não o vassalo, ficando em dívida para com ele em troca desse apoio.

O Concílio de Vienne, que ele havia convocado para julgar a Ordem do Templo, obrigava a que se aproximasse dessa cidade, pelo que alcançou o Condado Venaissino, terra pontifícia. Se a sua escolha também incide sobre a cidade de Avinhão, possessão do Conde de Provença, isso deve-se ao facto da sua situação na margem esquerda do rio a colocar em relação com o norte da Europa pelo eixo Ródano/Saône e dentro deste vale do Ródano, fronteira natural entre o Reino de França e o Sacro Império Romano-Germânico, só as cidades servidas por uma ponte poderem aspirar a um papel de capitais internacionais. Era este o caso de Avinhão, o lugar de passagem obrigatória entra a Espanha e o Languedoc, a Provença e a Itália.

Além disso, a importância das feiras de Champagne até ao fim do século XIII e a perenidade da feira de Beaucaire haviam feito de Avinhão e do seu rochedo uma etapa comercial obrigatória. A presença papal iria devolver-lhe um brilho que estava em vias de perder e o conflito entre a Inglaterra e a França uma importância política que não poderia ser alcançada por Roma, demasiado afastada desses dois reinos.

Se Roma, desde a Antiguidade, devia o seu poder e grandeza à sua posição central na bacia mediterrânica, também é verdade que havia perdido importância e, neste final da Idade Média, o centro de gravidade do mundo cristão tinha-se deslocado e a situação de Avinhão era bem mais favorável geográfica e politicamente.

Clemente V só chegou a Avinhão no dia 9 de março de 1309 e alojou-se no convento dominicano dos irmãos pregadores. Durante o seu pontificado, Avinhão tornou-se, sob a alta vigilância do Rei de França Filipe IV, na residência oficial duma parte do Colégio dos Cardeais, enquanto que o papa preferia residir em Carpentras, Malaucène ou Monteux, cidades contadinas.

À morte de Clemente V, e depois duma eleição difícil, Jacques Duèze foi eleito em Lyon no dia 7 de agosto de 1316. Com 72 anos, a sua idade avançada levou a que fosse considerado pelos cardeais como um papa de transição. Não sendo nem italiano nem gascão, não tivera mais que um papel político apagado até então. No entanto, no dia 9 de agosto, indicou a sua intenção de fazer reabrir a Audiência da Contradita em Avinhão no dia 1 de outubro seguinte. Mostrou, assim, a sua vontade de fixar o papado na cidade onde fora bispo desde 18 de março de 1310. A lógica teria desejado que Carpentras fosse a residência transalpina do papado, mas a maior cidade do Condado Venaissino permanecia manchada pelo golpe de força dos gascões aquando do conclave que se seguira à morte de Clemente V. Além disso, o antigo bispo de Avinhão preferia, naturalmente, a sua cidade episcopal à qual estava familiarizado e que tinha a vantagem de se situar na encruzilhada das grandes rotas do mundo ocidental graças ao seu rio e à sua ponte.

Coroado no dia 5 de setembro de 1316, Jacques Duèze escolheu o nome de João XXII e desceu a Avinhão por via fluvial. Chegado ao local, reservou para si a disposição do convento dos frades pregadores antes de se instalar de novo no palácio episcopal que havia ocupado anteriormente.

Este palácio estava situado no local do actual Palácio Papal. Os edifícios episcopais estavam dentro do sector da cidade mais fácil de defender, o que motivou a sua escolha. O novo papa tratou de empreender a adaptação da sua antiga residência ao seu novo cargo. Guasbert Duval (ou Gasbert de la Val), vigário geral, compatriota do papa e futuro Bispo de Marselha, foi encarregado das aquisições necessárias à ampliação. Armand de Via, seu sobrinho, agora Bispo de Avinhão, que havia sido expulso contra uma promoção cardinalícia, comprou o terreno onde foi construído o novo palácio episcopal, edifício que ficou conhecido por Museu do Petit Palais, em Avinhão, e que está hoje ocupado pelo Musée du Petit-Palais (Museu do Pequeno Palácio).

Os primeiros trabalhos foram confiados a Guillaume Gérault, apelidado de Cucuron. O alojamento do papa encontrava-se na ala oeste, assim como o studium e os apartamentos dos seus colaboradores mais próximos. O lado norte era constituído pela igreja paroquial de Saint-Étienne, que foi transformada na capela pontifícia de Sainte-Madeleine. A leste foram instalados os alojamentos dos "cardeais sobrinhos", assim como diferentes serviços da Cúria. Nessa ala oriental, mas mais a sul, encontravam-se os serviços do tesoureiro e do camareiro. A sul, foi construído um edifício para as audiências. O último recinto foi começado por Guillaume de Cucuron em Março de 1321 e terminado definitivamente em Dezembro de 1322.

O palácio velho de Bento XII

No dia 4 de dezembro de 1334, ao amanhecer, João XXII morreu aos 90 anos de idade e após 18 anos de pontificado. Foi Jacques Fournier, chamado de Cardeal Branco, quem lhe sucedeu. Depois de ter escolhido o nome de Bento XII em honra do patrono da Ordem de Cister de onde era originário, o novo papa foi coroado, na Igreja dos Dominicanos de Avinhão, a 8 de janeiro de 1335, pelo Cardeal Napoleone Orsini, o qual já havia coroado os dois papas anteriores.

Instalado no palácio episcopal totalmente transformado pelo seu antecessor, o novo papa decidiu muito rapidamente modificá-lo e ampliá-lo. No dia 9 de fevereiro de 1335, o pontífice endereçou uma carta ao Delfim do Viennois recomendando-lhe um irmão convertido da Abadia de Fontfroide responsável pela compra de madeira no Delfinado para um novo palácio.

Mandou demolir tudo o que seu antecessor mandara construir e, de acordo com os planos do arquitecto Pierre Obreri, mandou edificar a parte setentrional do palácio apostólico, terminando pelas fiadas da Tour du Trouillas. A Reverenda Câmara Apostólica - o "Ministério das Finanças" pontifício - comprou o palácio que Armand de Via mandara construir, para servir de habitação aos Bispos de Avinhão.

Os conceptores escolheram o rochedo dos Doms para a extensão do palácio. A escolha desta altura rochosa permitiu dar amplitude ao conjunto, de maneira a torná-lo mais impressionante, e também escapar às cheias que, na época, inundavam regularmente uma grande parte da cidade. Outra vantagem não negligenciável, o palácio ficava, assim, visível dos cumes dos Alpilles, dos Dentelles de Montmirail e, sobretudo, de Villeneuve-lès-Avignon, que era então terra de França, sendo Avinhão terra do Império.

Portanto, a ideia primeira desse pontífice era restaurar a ordem dentro da Igreja e reconduzir a Santa Sé a Roma. Logo que foi eleito, mandou anular os patrocínios do seu antecessor e reencaminhar para a sua diocese ou abadia todos os prelados ou abades da corte.

No dia 6 de julho de 1335, quando chegaram a Avinhão enviados de Roma, foi-lhes feita a promessa de regressar às margens do Tibre, mas sem precisar data. No entanto, a revolta da cidade de Bolonha e os protestos dos cardinais puseram termo aos seus desejos e convenceram-no a permanecer nas margens do Ródano. Entretanto, o pontífice passou os quatro meses de verão instalado no palácio construído em Pont-de-Sorgues pelo seu predecessor.

Para dirigir os trabalhos do seu palácio, na primavera de 1335, mandou vir Pierre Peysson, um arquitecto que tinha contratado em Mirepoix , com o encargo de revalorizar a Tour des Anges e a capela pontifícia norte. Apesar da sua austeridade, Bento XII ponderava mesmo, com os conselhos de Robert d’Anjou, contratar Giotto para decorar a capela pontifícia. Só a morte do artista, ocorrida em janeiro de 1337, impediu esse projecto. Os seus novos edifícios foram consagrados, no dia 23 de junho de 1336, pelo camareiro Gaspard (ou Gasbert) de Laval. No dia 5 do mesmo mês, o papa justifica a sua decisão junto ao Cardeal Pierre des Prés:

No dia 10 de novembro de 1337, começava a Guerra dos Cem Anos. Em Flandres, os ingleses tomaram pé na ilha de Cadsan, enquanto a frota francesa oferecia batalha à do rei de Inglaterra em Southampton. Bento XII, através dos seus legados, solicitou uma trégua que foi aceite pelas duas partes. Não foi, portanto, este conflito franco-inglês que incentivou o papa a mandar edificar um palácio fortificado mas, desde a sua eleição, o receio do imperador Luís IV do Sacro-Império (Luís IV da Baviera). As relações entre o papado e o Império estavam extremamente tensas desde 8 de outubro de 1323, quando João XXII havia declarado em pleno consistório que o bávaro era um usurpador e um inimigo da Igreja. Convocado a Avinhão para se justificar do seu apoio aos Visconti, não se apresentou, sendo excomungado no dia 23 de março de 1324. Como represália, Luís IV da Baviera desceu até Itália com o seu exército para se fazer coroar em Roma, fazendo mesmo eleger um antipapa na pessoa de Nicolau V que tinha destituído João XXII, rebaptizado de João de Cahors. Apesar de Bento XII se mostrar mais conciliador, Avinhão, que estava em terras do Sacro Império Romano-Germânico, permanecia sob ameaça, embora fosse infinitamente mais segura que todas as cidades de Itália.

É este edifício fortificado que é conhecido nos nossos dias com o nome de palais vieux (palácio velho). Neste, a biblioteca papal foi instalada no interior da torre do papa com o tesouro pontifício. Sob o pontificado do terceiro papa de Avinhão, compreendia quatro secções: teologia, direito canónico, direito civil e medicina.

O ano de 1337 viu, em março, o início da construção dos apartamentos pontifícios; em maio, as contas da Reverenda Câmara Apostólica revelavam que o estaleiro empregava 800 trabalhadores; em Novembro, começa a reconstrução da grande ala e da ala sul.

Em 1338, no mês de Julho, estavam terminadas a Tour des Latrines (Torre das Latrinas) e a pequena Tour de Benoît XII (Torre de Bento XII); em Setembro, os apartamentos pontifícios estavam prontos, sendo então pintados com afrescos por Hugo, um pintor "seguidor da corte romana", e Jean Dalban, enquanto que no mês de Dezembro começava a reconstrução do claustro. Em março de 1339, a sua estrutura estava terminada. Em Agosto do mesmo ano, tinha início a construção da Tour de la Campane e da ala dos familiares; e no último semestre daquele ano assistia-se ao fim dos grandes trabalhos do palácio pontifício, a cozinha e as dependências estavam acabadas.

No início do ano de 1340, a decoração do claustro estava realizada; em Junho, chegava ao fim a construção da ala dos familiares, que ficava contígua à Tour de la Campane. Foi nesta ala que se alojaram imperador, reis, príncipes e duques. Em Dezembro, a Tour de la Campane, já terminada, serviria de alojamento aos mercadores "no seguimento da Corte de Roma", sendo os andares mais baixos utilizados para guardar as suas mercadorias. Por fim, em agosto de 1341, a Tour du Trouillas (prensa) tinha o estaleiro em funcionamento.

Foi por ordem do Cardeal Stéfaneschi que Simone Martini, o mais gótico dos pintores italianos, considerado como o chefe de fila da Escola de Siena, chegou ao local com a sua esposa, Giovanna, e o seu irmão Donat. Tinha sido aluno de Duccio de Buoninsegna. Giacomo Stefaneschi, o cardeal de Saint-Georges, aproveitou para lhe passar o comando dos afrescos do pórtico de Notre-Dame-des-Doms. Martini começou-os em 1336, sendo acabados antes da morte do comandatário, ocorrida em 1343.

O palácio novo de Clemente VI

Clemente VI entrou no palácio construído por Bento XII, não lhe parecendo um ponto adequado. Jean du Louvres, apelidado de Loubières, foi encarregado de edificar um palácio novo digno dele. A partir do início do verão de 1342, abriu um novo estaleiro e instalou-se na antiga sala de Audiência de João XXII, no meio daquilo que se tornaria no cour d'honneur (pátio de honra), até à sua demolição, em 1347.

Jean du Louvres deu início aos seus trabalhos, no dia 17 de julho de 1342, com a Tour des Cuisines (Torre das Cozinhas) e a Tour de la Garde Robe (Torre do Guarda Roupa). Estas duas novas torres foram acabadas em Maio de 1343. Na Tour des Cuisines encontrava-se a Bouteillerie (garrafeira), que também servia para depositar em cofres a louça de ouro e prata da mesa pontifícia.

No dia 4 de março de 1345, começou a empreitada do palácio novo (Opus Novum), cuja Tour du Trouillas foi, por fim, terminada em março de 1346. Após a conclusão dos trabalhos, no dia 21 de outubro de 1351, a superfície total do Palais des Papes atingia 6400 metros quadrados. Todos aqueles que viram, nesses tempos, o palácio novo ficaram impressionados, como por exemplo Jean Froissart que o considerou a mais bela e a mais forte casa do mundo. Um século mais tarde, César de Nostredame, o filho mais novo de Nostradamus, caía sempre em admiração frente à sua orgulhosa e austera fachada.

Com esta nova fachada, o palácio tomava o aspecto que lhe conhecemos actualmente. Clemente VI não se esqueceu de mandar colocar a pedra de armas da sua família, os Roger, sobre a entrada principal, por cima do novo portal dos Champeaux. A heráldica descreve assim esse brasão: de prata à banda de azul acompanhada por seis rosas de face, três em chefe em borda, três em ponta de banda.

Mas, sobretudo, o papa mandou cobrir as paredes de afrescos. Matteo Giovanetti, um padre de Viterbo, aluno do grande Simone Martini que morreu em Avinhão, dirigiu importantes equipas de pintores vindos de toda a Europa.

Matteo Giovanetti começou, no dia 13 de outubro de 1344, a decoração da capela Saint-Martial, que se abre no Grand Tinel, a qual foi acabada no dia 1 de setembro de 1345. De 9 de janeiro a 24 de setembro de 1345, decorou o oratório Saint-Michel. Em Novembro do mesmo ano começou os afrescos do Grand Tinel, que terminou em abril de 1346. Depois, de 12 de julho a 26 de outubro de 1347, trabalhou na Sala do Consistório, a que se seguiu a intervenção na capela Saint-Jean.

No dia 9 de junho de 1348, Clemente VI comprou Avinhão à rainha Joana I de Nápoles por 80 mil florins, tornando-se, então, a cidade independente da Provença e passando a ser propriedade pontifícia como o Condado Venesino.

O Palais des Papes depois de Clemente VI

Quando Clemente VI faleceu, em 1352, as reservas financeiras da sede apostólica estavam no seu ponto mais baixo. Esta foi uma das razões que obrigaram os seus sucessores a contentar-se com trabalhos menores e acabamentos.

Giovanetti retomou os seus pincéis em 1352. Um orçamento datado de 12 de novembro faz menção aos afrescos dos Profetas da Grande Sala de Audiência, as únicas pinturas do pontificado do papa Inocêncio VI. Um ano mais tarde, aquele papa mandou reforçar a ala sul através da construção da Tour Saint-Laurent e da elevação da Tour de Gache.

Em 1354, o incêndio que devastou a Tour de Trouillas não impediu a continuação dos trabalhos da Tour Saint-Laurent. A sua construção foi acabada em 1356. Padecendo de gota, Inocêncio VI mandou construir, em 1357, uma pequena ponte cobertas entre o Petit Tinel e a sacristia norte. Essa ponte já não existe, uma vez que foi destruída em 1811.

No dia 6 de novembro de 1362, na capela do palácio velho, Guillaume de Grimoard foi coroado papa por Étienne-Audouin Aubert, Cardeal de Óstia e sobrinho do pontífice defunto, tendo tomado o nome de Urbano V e declarado à chegada ao palácio: Mas eu não tenho sequer um pedaço de jardim para ver crescer alguns frutos, comer a minha salada e colher uma uva. Foi por esse motivo que empreendeu durante o seu pontificado dispendiosos trabalhos de ampliação dos jardins. Aquele que se encontra junto ao Palais des Papes na sua fachada oriental ainda é denominado como Verger d'Urbain V (Pomar de Urbano V).

Além dos jardins, Urbano V mandou construir a Roma, pelo arquitecto Bertrand Nogayrol, uma longa galeria com um único piso perpendicular à Tour des Anges. Esta estrutura foi terminada em 1363, data que marca o fim dos trabalhos arquitectónicos do palácio novo.

O papa mandou decorar a Roma por Matteo Giovanetti. As suas pinturas em tela sobre a vida de São Bento começaram no dia 31 de dezembro de 1365 e ficaram concluídas em Abril de 1367. Esta galeria já não existe actualmente, pois foi demolida pela engenharia militar em 1837.

Os cercos ao Palais des Papes

Gregório XI não mandou empreender qualquer obra sobre o palácio. Este papa levou o papado para Roma, onde faleceu em 1378. Inicialmente, o conclave conduziu Urbano VI ao trono pontifical, mas a eleição havia sido feita sob as ameaças dos romanos e o novo pontífice tinha um carácter, sobretudo, irascível, pelo que os cardeais se arrependeram da escolha, depuseram-no e colocaram no trono de São Pedro o Antipapa Clemente VII. Tinha início o Grande Cisma do Ocidente. Urbano VI permanece em Roma, Clemente VII instala-se em Avinhão, no Palais des Papes.

Clemente VII teve como sucessor o Antipapa Bento XIII, eleito no dia 28 de setembro de 1394, que havia prometido demitir-se, se necessário, para pôr termo ao Grande Cisma. A sua persistência em não manter a palavra valeu-lhe uma primeira retirada de obediência por parte da França e dos seus aliados no dia 28 de julho de 1398. O pontífice de Avinhão, fechou-se, então, no seu palácio, onde foi sitiado por Geoffroy le Meingre, alcunhado de Boucicaut, em Setembro.

A cozinha do Grand Tinel foi, aquando do primeiro cerco, cenário duma intrusão por parte dos homens de Boucicaut e de Raymond de Turenne, o sobrinho de Gregório XI. Martin Alpartils, um cronista catalão contemporâneo, narra o seu golpe de força. Depois de terem conseguido penetrar no recinto do palácio escalando a Durançole e os esgotos das cozinhas, tomaram de empréstimo uma escada em caracol que os levou à cozinha alta. Alertadas, as tropas fiéis a Bento XIII afastaram-nos atirando-lhes pedras destacadas da chaminé e fachos inflamados.

Esta crónica é corroborada pelo feitor avinhonense de Francesco di Marco Datini, o grande mercador de Prato a quem escreveu:

Questionado, o aquisitor indica que ele e os seus iriam penetrar no palácio pelos esgotos.

O feitor atribui o fracasso desse golpe de mão à febrilidade e à precipitação dos seus autores:

Depois de três meses de combates intensos, o cerco eternizava-se e foi decidido o bloqueio ao palácio. A partir de abril de 1399, só os acessos estavam guardados para impedir a fuga de Bento XIII. A correspondência enviada para Prato continua a fazer reviver o quotidiano do cerco visto pelos avinhonenses. Uma carta datada de 31 de maio de 1401 adverte o velho negociante de Avinhão do incêndio do seu antigo quarto:

A carta de 13 de novembro informa o mercador do bombardeamento da sua casa:

Finalmente, apesar da vigilância à qual estava sujeito, o pontífice conseguiu deixar o palácio e a cidade de residência no dia 11 de março de 1403, depois dum desgastante cerco de cinco anos.

Embora Bento XIII nunca mais tenha voltado a Avinhão, deixou no local os seus sobrinhos, Antonio de Luna, com o cargo de Reitor do Condado Venesino, e Rodrigo. Este último e os seus catalães instalaram-se no palácio papal. Na terça-feira, 27 de janeiro de 1405, à hora das vésperas, o campanário piramidal de Notre-Dame des Doms desmoronou e arrasou na sua queda o antigo baptistério dedicado a São João. Os catalães foram acusados desta acção e aproveitaram para estabelecer uma plataforma sobre as ruínas a fim de instalar a sua artilharia.

Confrontado com a deposição do seu tio pelo Concílio de Pisa, em 1409, e à deserção dos avinhonenses e dos contadinos, no ano seguinte, Rodrigo de Luna, tronou-se reitor no lugar do seu irmão e reagrupou todas as suas forças no Palácio dos Papas. Para sua segurança, continuou a fortificar o rochedo dos Doms e, com o fim de ver a chegada de possíveis assaltantes, acabou de fazer demolir todas as casas em frente do palácio, formando, deste modo, a grande esplanada que se conhece actualmente. O segundo cerco foi montado frente ao palácio e foi chamado nas crónicas contemporâneas de Guerre des Catalans (Guerra dos Catalães), a qual duraria dezassete meses. Por fim, no dia 2 de novembro de 1411, os catalães de Rodrigo de Luna, famintos e desesperando por receber ajuda, aceitaram render-se ao camareiro François de Conzié.

O arlesiano Bertrand Boysset registou no seu diário que, em 1403, a partir do mês de Dezembro, foram demolidas todas as casas situadas entre o grande e o pequeno palácio para facilitar a defesa:

Entretanto, em Pisa, o concílio havia eleito um novo papa, Alexandre V. Embora o seu objectivo fosse pôr fim ao cisma, a cristandade encontrava-se, agora, não com dois, mas com três papas. Esse pontífice, reconhecido pela corte de França, enviou o cardeal Pierre de Thury para governar Avinhão e o Comtat, portando o título de legado e vigário geral de 1409 a 1410.

No entanto, no dia 5 de dezembro de 1409, por ordem de Rodrigo de Luna, que o legado não havia demitido das suas funções de reitor do Comtat, reuniram-se os estados na Pont-de-Sorgues. Os catalães, para resistir aos inimigos de Bento XIII, necessitavam de tropas e de dinheiro. Os delegados das três ordens autorizaram esses dois levantamentos. Para simplificar as coisas, agora que Bento XIII estava refugiado em Peñíscola e o papa Gregório XII reinava em Roma, o cardeal Baldassarre Cossa foi eleito pelo Concílio de Pisa, tomando o nome de João XXIII; havia de novo três papas e foi este último que Avinhão escolheu como soberano pontífice.

O palácio depois dos papas

François de Conzié, Governador de Avinhão

Em 1411, o Antipapa João XXIII nomeou o camareiro François de Conzié, que já era vigário geral de Avinhão, governante dos Estados Pontifícios. Esse papa, incapaz de resolver em Pisa os problemas do Reino de Nápoles, desejava instalar-se em Avinhão. No dia 31 de dezembro de 1412 endereçou instruções ao seu camareiro. Para as reparações necessárias ao Palais des Papes, devia reservar as vendas de bens móveis e imóveis de Avinhão e do Comtat cujos proprietários morreram sem herdeiros e consagrar as somas restituídas pelos usurários das províncias eclesiásticas de Arles, Aix-en-Provence e Embrun, assim como as de Avinhão e do Comtat e os legados feitos às obras pias.

Um período de pausa foi marcado a partir de Domingo, 7 de maio de 1413, quando a decoração representando a abóbada celeste, pinturas e cor azul e consteladas de ouro, assim como os afrescos que ornavam as paredes do Grand Tinel, foram destruídas por um incêndio.

No dia 8 de fevereiro de 1414, João XXIII enviou novas instruções a partir de Mântua. François de Conzié tinha ordens para utilizar o resto das somas devidas à Reverenda Câmara Apostólica, o imposto relacionado com a cruzada contra Ladislas de Duras, contribuições fornecidas por diferentes bispos, as centenas devidas pelo capítulo de Maguelonne e pela cidade de Montpellier e 500 florins a tomar sobre os despojos de Jean la Vergne, Bispo de Lodève.

Os trabalhos avançaram a partir de 17 de abril de 1414. Para refazer os tectos do palácio, Guillaume Fournier e Guillaume André, fabricantes de telhas de Châteauneuf-Calcernier, comprometeram-se a fornecer 25.000 telhas à Saint-Michel. Receberam um florim, dezasseis em depósito com a promessa que por cada milhar lhes seria pago 6,5 florins.

O camareiro e governador de Avinhão também aproveitou para mandar restaurar todos os edifícios danificados durante a "Guerra dos Catalães", nomeadamente a Ponte de Avinhão, a catedral e as muralhas.

Foi no dia 21 de dezembro de 1415 que François de Conzié recebeu o Imperador Sigismundo do Luxemburgo, vindo especialmente a Avinhão para passar as festas de Natal. O soberano partiu no dia 13 de janeiro de 1416, levando uma reprodução do Palais des Papes que havia encomendado ao camareiro, a qual foi especialmente executada por Jean Laurent, arquitecto, e pelo mestre Bertrand, pintor, que receberam 50 florins pela sua obra.

Em 1418, a eleição de Martinho V pelo Concílio de Constança pôs termo ao Grande Cisma e Pierre d'Ailly foi nomeado legado de Avinhão pelo novo papa. Este faleceu dois anos depois, não sendo substituído, pelo que François de Conzié continuou a governar sozinho até à sua morte, ocorrida no dia 31 de dezembro de 1431.

Os legados pontifícios

Após um conflito entre o papa Eugénio IV e o Concílio de Basileia para saber quem ficaria encarregado de Avinhão, foi alcançado um compromisso para designar o cardeal Pierre de Foix.

Estas excitações irritaram os avinhonenses e os contadinos, o que forçou o cardeal a chegar à cabeça dum exército para matar a revolta. Os contadinos cederam em maio de 1433 e Avinhão capitulou no dia 8 de julho após um cerco de dois meses. O novo governador pôde, então, instalar-se no Palais des Papes. Foi lá que, no dia 24 de novembro de 1433, recebeu do papa a bula nomeando-o legado a latere com jurisdição sobre a região do Languedoc.

O conflito entre o papa de Roma e os pares conciliares inflamou-se e, em 1436, chegou o momento do conselho deixar Basileia e vir tomar assento em Avinhão. A ruptura foi terminada quando o Duque de Saboia, Amadeu VIII, foi eleito papa. A sua entronização teve lugar na Catedral de Lausana, onde foi coroado no dia 23 de julho de 1440, tomando o nome de Félix V. Os seus enviados tentaram agitar a cidade de Avinhão no dia 15 de Setembro, mas a sua tentativa falhou.

Em Avinhão, o cardeal de Foix foi, por sua vez, um administrador avisado e um grande senhor que gastou prodigamente. Faleceu no dia 13 de dezembro de 1464 e os seus herdeiros se decidiram a deixar o Palais des Papes em março de 1465.

Luís XI insistiu, então, junto do Vaticano, para fazer nomear um prelado da sua família para a legação de Avinhão1. Embora o papa Paulo II tenha recusado, o seu sucessor, Sisto IV, aceitou confiar o cargo a Carlos de Bourbon, arcebispo de Lyon. No dia 2 de abril de 1472, recebeu os poderes mas não o título de legado e foi revogado no dia 21 de fevereiro de 1476, o que permitiu ao papa nomear como legado o seu sobrinho, Giuliano della Rovere, para o qual havia elevado, no ano anterior, o Bispado de Avinhão ao estatuto de arcebispado.

Furioso, Luís XII decidiu intervir militarmente, no dia 30 de abril de 1476, para reinstalar o seu primo no Palais des Papes. Embora o assunto pudesse resolver-se diplomaticamente, isso não impediu o rei de França de dirigir algumas companhias de viajantes, subornados pelos seus homens, em direcção a Avinhão e ao Comtat para pilhá-los.

No entanto, o futuro papa Júlio II também se revelou mais como táctico astuto do que como administrador esclarecido, Foi ele que criou, em 1476, o célebre Collège du Roure, que reviu os estatutos municipais, em 1481, e que, depois de se ter oposto ao papa Alexandre VI, em 1494, e de ter regressado às boas graças um ano mais tarde, recebeu magnificamente César Bórgia, o filho do papa, no seu palácio de Avinhão. Giuliano della Rovere foi eleito papa no dia 1 de novembro de 1503. É a ele que se deve o primeiro verdadeiro restauro do palácio depois da partida definitiva dos papas e dos antipapas.

Depois de Giuliano della Rovere, estiveram no posto os cardeais Georges D'Amboise (1503-1510) e Robert Guibé (1510-1513). O seu sucessor foi o cardeal François-Guilhem de Clermont-Lodève (1503-[[1541). Nomeado por Leão X, por sua ordem, empreendeu toda uma série de trabalhos no palácio pontifício. Em primeiro lugar, mandou restaurar as capelas de Bento XII e de Clemente VI, em 1516; dois anos depois fez edificar a Sala da Mirande. Este legado entrou na história avinhonense por ter recebido, por seis vezes, o Rei Francisco I no Palais des Papes. O rei de França veio ao palácio uma primeira vez em Fevereiro de 1516, no regresso da Batalha de Marignano, e depois aquando da primeira invasão da Provença pelas tropas de Carlos V, sendo recebido, no dia 14 de setembro de 1526, pelo legado. Fez uma nova estadia em agosto de 1533, quando ia a Marselha para se encontrar com o Papa Clemente VII.

Foi na sequência destas três primeiras visitas que o rei mandou publicar cartas patentes, em Fevereiro de 1535, dando aos avinhonenses o estatuto de "régnicole", ou seja, sujeitos do rei. O monarca regressou de novo no dia 12 de setembro]] de 1536, aquando da segunda invasão da Provença por Carlos V, depois nos dias 14 e 15 de dezembro]] de 1537 e, por fim, entre 13 e 15 de maio de 1538.

Em seguida, a legação foi entregue ao cardeal-sobrinho Alessandro Farnese (1541-1565), Arcebispo de Avinhão e sobrinho do papa Paulo III, o qual não residiu no palácio e delegou os seus poderes a vice-legados. A sua única visita teve lugar em 1533 para chegar a Avinhão e Carpentras. Para lutar contra os religiosos, em 1561, Pio IV teve que enviar o seu primo Fabrice Serbelloni. O capitão papal tinha por missão defender Avinhão e o Comtat contra a heresia. Este absolveu-se tanto pelas armas que rejeitou a reforma na antiga cidade papal. Transformou o Palais des Papes (Palácio dos Papas) em prisão para os hereges e, em 1562, mandou decapitar Jean-Perrin Parpaille na praça do palácio, filho dum antigo primacier da Universidade de Avinhão.

No dia 22 de fevereiro de 1559, por bula, Pio V ordenou ao seu vice-legado que expulsasse os judeus de Avinhão num prazo de três meses. Jean-Marie de Sala dilatou, por moto próprio, esse período para dois anos, o que lhe valeu ser demitido e chamado a Roma.

Primo do rei Carlos IX e novo legado, o Cardeal Carlos de Bourbon (1565-1590) também não residiu no palácio, fazendo-se substituir por um co-legado na pessoa do Cardeal Georges d'Armagnac (1565-1585). Este transformou Avinhão em bastião da Contrarreforma. Em 1566, instalou manifestamente um tribunal da Rota, decalcado do de Roma, com o fim de julgar todos os assuntos eclesiásticos, civis e criminais. Também foi um construtor. O seu contemporâneo, Louis de Pérussis, nos seus Discours escreveu algumas linhas julgando severamente o Palais des Papes:

Mas esta lança afiada não era gratuita e destinava-se unicamente a elogiar, de seguida, o co-legado pelo conjunto dos trabalhos que ele tinha mandado realizar no palácio:

Georges d'Armagnac foi substituído por Dominique Grimaldi (1585-1589), antigo general das galeras papais na Batalha de Lepanto. Este prelado guerreiro participou, ele mesmo, no terreno em luta contra os protestantes.

Os vice-legados de Avinhão

A partir do fim do século XVI, os verdadeiros governadores dos Estados Pontifícios enclavados em França foram os vice-legados. O mais célebre de entre eles é o cardeal Jules Mazarin, que teve Fabrice de La Bourdaisière como pro vice-legado de 1634 a 1636, durante a sua nunciatura em Paris. Joseph Girard explica:

Os inconvenientes foram, em primeiro lugar, linguísticos. Apesar da língua francesa ter sido substituída, a partir de 1540, pelo latim e pelo provençal para a redacção de todas as actas oficiais, foi suplantada pelo italiano em todas aqueles que emanaram da vice-legação.

Isso foi aceite pela nobreza e pelas famílias de notáveis que haviam conquistado o quase-monopólio dos cargos municipais. Foi muito menos bem aceite pela burguesia mercantil que conservava o seu dialecto provençal.

Nesta base de incompreensão, o principal impacto foi social. Bastou que o cardeal Alexandre Bichi, Bispo de Carpentras (1630-1657), puxasse fogo às pólvoras. Político intrometido e ambicioso, as suas intrigas somadas aos abusos da administração e às pesadas tributações, provocaram a "fronda avinhonense". Os pevoulins (vagabundos) e os pessugaux (impressores) confrontaram-se. Formaram-se barricadas em Avinhão, os hotels de Cambis-Servière e de Saint-Roman foram pilhados e depois incendiados. Os distúrbios duraram de 1652 e 1659 e a calma só chegou lenta e provisoriamente.

Uma nova explosão foi provocada desta vez, em 1664, pelas medidas arbitrárias do vice-legado Alexandre Colonna (1664-1665). A sua guarnição italiana foi expulsa do Palais des Papes e ele teve que recorrer ao apoio das tropas francesas para reintegrar Avinhão no ano seguinte.

Também foram tomadas medidas contra os judeus. O cardeal-legado Francesco Barberini decidiu impor uma medida que os impedia de residir na cidade de sua escolha. No dia 4 de setembro de 1624, designa-lhes como residência Avinhão, Carpentras, Cavaillon e a Isle-sur-la-Sorgue. Estas são os Arba Kehilot, as quatro santas comunidades dos judeus contadinos.

Para evitar os contactos nocturnos, muito frequentes, entre judeus e cristãos de Avinhão, o vice-legado Jean Nicolas Conti ordenou, no dia 1 de julho] de 1656, que se murassem todas as aberturas do bairro judeu.

A visita do Rei-Sol

A visita do futuro Rei-Sol a Avinhão esteve enquadrada na viagem que este fez pelas suas províncias provençal e languedociana entre a assinatura do Tratado dos Pirenéus, no dia 7 de novembro de 1659, e o seu casamento com a infanta Maria Teresa de Espanha, filha de Filipe IV, em Saint-Jean-de-Luz, no dia 9 de junho de 1660.

Tendo resolvido, em primeiro lugar, o problema da revolta dos marselheses, e recebido a submissão da cidade portuária no dia 2 de março de 1660, o rei tinha feito uma entrada triunfante em Marselha, penetrando por uma brecha aberta nas muralhas.

Vindo de Aix-en-Provence, o rei chegou a Avinhão no dia 19 de março de 1660. Acompanhado pelo Monsieur, seu irmão, entrou pela Porta de São Lázaro, sob uma chuva torrencial. A sua mãe, Ana de Áustria, e o Cardeal de Mazarin juntaram-se-lhes um pouco mais tarde, indo a rainha-mãe em peregrinação a Apt para honrar as relíquias de Santa Ana, sua patrona.

O primeiro-ministro e a soberana foram, por sua vez, recebidos no Palais des Papes por Gaspar de Láscaris, o vice-legado, e Mazarin entrou no lugar onde havia ocupado essas mesmas funções 26 anos antes.

A corte instalou-se nos apartamentos do palácio depois do rei, então com 22 anos de idade, ter decidido passar a sua Páscoa na antiga cidade pontifícia. Assim, no dia 28 de março, foi em cortejo à igreja dos franciscanos de Avinhão, mas teve que satisfazer uma cerimónia obrigatória, tocando com a sua mão em oitocentos doentes de escrófula que esperavam por ele no claustro.

Luís XIV e a sua corte deixaram Avinhão, e o Palais des Papes, no dia 1 de abril. O cortejo, escoltado por cavalaria ligeira e mosqueteiros, passou para o Languedoc pela Ponte Saint-Bénezet. Chegado a meio do Ródano, fez virar o seu cavalo e olhou a cidade com prazer, afirmando-se fortemente satisfeito pela sua estadia e garantindo que conservaria a recordação.

O povo avinhonense também manteve a melhor lembrança, pois, a partir de então, passou a cantar em cada Natal um canto natalício de Nicolas Saboly (1614-1675) que começava assim:

Luís XIV lembrava-se tão bem de Avinhão que, por duas vezes, mandou ocupar e anexar a cidade pontifícia, em 1663 e em 1668. Quanto a Luís XV, fez o mesmo de 1768 a 1774.

Este último conflito entre o rei de França e os papas Clemente XIII e Clemente XIV, foi exemplar. Além do droit de régale (direito régio) que o rei queria impor aos pontífices estava inserido o assunto dos jesuitas que, expulsos de França, encontravam muito facilmente asilo em Avinhão. Este foi o pretexto encontrado para fazer entrar de novo as tropas reais em Avinhão e no Comtat. A ocupação durou até 1774, o último ano dos reinados de Luís XV e de Clemente XIV, quando foi regulado por uma bula tanto o destino dos jesuítas, cuja ordem foi suprimida, como a questão dos bispos franceses e dos seus benefícios. O regresso do vice-legado François-Marie de Manzi ao Palais des Papes foi pintado por Claude Marie Gordot e o quadro encontra-se, actualmente, no Museu Calvet.

O Massacre da Geladeira

Os avanços da Revolução Francesa, tanto em Paris como em todas as províncias, tinha elevado as paixões em Avinhão e no Condado Venesino. Na cidade papal, governada pelo vice-legado, os pró-franceses maioritários tinham feito adoptar a constituição francesa, eleito uma nova municipalidade, no dia 4 de março de 1790, e a população tinha expulso o vice-legado Filippo Casoni, no dia 12 de junho seguinte.

Apesar das reticências da representação nacional francesa em anexar Avinhão e o Comtat, os patriotas reuniram-se em Bédarrides, no dia 18 de agosto de 1791, e, na Igreja de Saint-Laurent, votaram a sua reintegração na França. Isto foi feito com uma forte maioria, uma vez que a contagem dos mandatos para a anexação se elevou a 101.046 vozes favoráveis num total de 152.919. No dia 14 de setembro, colocada perante o facto consumado, a assembleia constituinte proclamou que os Estados de Avinhão e do Comtat faziam, a partir de então, "parte integrante do Império Francês".

Não foi isso que acalmou os partidários da manutenção do Estado Pontifício. Estes fizeram afixar um folheto, no dia 16 de outubro de 1791, denunciando o despojamento das igrejas e a confiscação dos sinos em nome da nova pátria. Depois, surgiu o boato que a estátua da Virgem dos franciscanos tinha chorado. O patriota Lescuyer, secretário-escrivão da comuna, foi mandado ao local. Chamado à parte, acusado de peculato, foi assassinado na própria igreja pelos papistas.

Imediatamente informados, Mathieu Jouve Jourdan, apelidado de Jourdan Coupe-Tête, comadante do Forte, e Jean Étienne Benoît Duprat, chamado de Duprat aîné, coronel da guarda nacional de Avinhão, fizeram prender todos aqueles que estavam sob suspeita, próxima ou distante, de poderem estar envolvidos neste assassinato ou de serem cúmplices. De noite, todos os suspeitos - num total de sessenta - foram encarcerados nas antigas prisões do Palais des Papes e, depois, por ordem de Jourdan, massacrados e atirados para a "geladeira" dos vice-legados, ou seja, para a base da "Torre das Latrinas". Os seus cadáveres foram, em seguida, cobertos de cal viva.

O caso fez muito barulho e chegou até Paris. O governo revolucionário, que acabava de publicar, no dia 26 de outubro, o decreto de anexação, enviou "comissários civis" que foram escoltados pelas tropas colocadas sob o comando do general Choisy. Chegados ao local, ordenaram detenções e instaurações de processos. No entanto, no dia 19 de março de 1792, uma amnistia geral, votada pela câmara dos deputados, colocou um ponto final no inquérito.

Do século XIX à actualidade

Depois da Revolução Francesa, uma parte do edifício tornou-se numa caserna afecta à engenharia militar. Mais tarde, de 1881 a 1900, instalou-se no complexo um regimento de infantaria. O comandante militar rebaptizou, então, o palácio como "Caserna Duprat", em honra de Jean Étienne Benoît Duprat, antigo coronel da Guarda Nacional de Avinhão tornado general do império e morto em Wagram.

Também foi lá que a direcção penitencial instalou uma prisão departamental.

Sob Napoleão III, Viollet-le-Duc propôs um projecto de restauro do edifício a fim de deixá-lo em maior conformidade com o seu estatuto de monumento histórico, mas foi tempo perdido. Esse projecto nasceu a partir de 1860, mas a guerra de 1870 impediu que fosse implementado a tempo, salvando, assim, da destruição as abóbadas da "Grande Audiência" que ele desejava suprimir. O local permaneceu militar.

Charles de Montalembert, no seu Du vandalisme en France - Lettre à M. Victor Hugo ("Do vandalismo em França - Carta ao Sr. Victor Hugo"), descreveu o estado do palácio aquando da ocupação militar da seguinte forma:

Na viragem do século, ou seja, mais de sessenta anos depois de Charles de Montalembert ter escrito o seu Vandalisme en France, lettre à M. Victor Hugo, o palácio permanecia em muito mau estado. A fachada principal tinha sido despojada das suas duas torres que a tornam tão reconhecida nos nossos dias, os interiores estavam congestionados por detritos causados pela ocupação militar, as estátuas tinham sido partidas, janelas e portas abertas sem qualquer respeito pela arquitectura, como por exemplo ao nível do portal da grande capela, na qual a engenharia militar fora autorizada a abrir uma porta, etc.

A cidade de Avinhão só recuperou o palácio em 1902. Em contrapartida, devia ser construída uma nova caserna pela cidade no exterior das muralhas, a caserna Chabran. Em Setembro de 1906, as tropas deixaram o palácio. Num século, a engenharia militar tinha trabalhado bem e a "sua caserna assemelhava-se a todas as casernas". Neste palácio desfigurado que o Ministério da Guerra acabava de restituir à cidade começaram os restauros. Depois, sem que pudesse, realmente, parecer uma paragem, numerosas partes foram restauradas e outras pareciam em previsão.

Cinco anos mais tarde, o palácio foi aberto ao público para uma exposição industrial, agrícola e artística que se desenrolou de 5 de maio a 9 de Junho de 1907. Os expositores instalaram os seus standes na sala da Grande Audiência e na Grande Capela de Clemente VI, mal esvaziada após a saída da tropa. O público teve à sua disposição um posto de correios temporário, cujo carimbo com data foi gravado com o nome do Palais des Papes. A exposição terminou com uma grande festa provençal L'exposition se termina par une grande fête provençale realizada sob a presidência de Frédéric Mistral e no decurso da qual foi passeada a "Tarasca" vinda especialmente de Tarascon.

No dia 14 de Outubro de 1913, Raymond Poincaré, o novo Presidente da República, vindo de Marselha para reencontrar Frédéric Mistral e Jean-Henri Fabre, parou em Avinhão e chega em caleche, rodeado pelo 7º batalhão hussardo de Tarascon, ao Palais des Papes e ao Rochedo dos Doms. Foi o fim dum período.

As etapas do restauro

Paul Pamard, que foi presidente da câmara de Avinhão entre 1852 e 1870, desde o início do seu mandato, foi o primeiro a trabalhar para que o Ministério da Guerra devolvesse o palácio à sua cidade. Para apoiar a sua acção, em 1858, o Conselho Geral de Vaucluse endereçou dirigiu uma petição a Napoleão III e, quando o imperador veio em visita a Avinhão, dois anos mais tarde, começou a mandar evacuar as tropas e a fazê-lo restaurar. A Comissão dos Monumentos Históricos encarregou, então, Viollet-le-Duc de lhe submeter um projecto de restauro e de utilização deste monumento.

Se bem que o edifício tenha começado a ser evacuado em 1869, a Guerra franco-prussiana (1870-1871) bloqueou o processo. O que obrigou Viollet-le-Duc a regressar à carga, no dia 30 de Maio de 1879, apresentando um novo relatório para apressar a retirada das tropas. A Comissão dos Monumentos Históricos tinha nomeado um novo arquitecto-em-chefe, Henri Antoine Révoil, que assumiu o dossier, em 1881, e começou, a partir do ano seguinte, a restaurar a capela de Bemto XII. Nesse mesmo ano de 1882, o Congresso Arqueológico de França, tendo realizado as suas sessões em Avinhão, manifestou o desejo de acelerar os trabalhos de restauro. No entanto, foi só em 1902, que Révoil pôde restituir as ameias da Tour de la Campane.

Victor Nodet sucedeu-lhe em 1903. A primeira preocupação do novo arquitecto foi pesquisar na iconografia qual seria o estado inicial do palácio. Tratou, então, de suprimir os edifícios militares e, a partir de 1907, pôde lançar-se na renovação das salas da Grande Audiência e da capela de Clemente VI. Em 1912, a cidade de Avinhão pôs em prática uma comissão consultiva com o fim de determinar e propor aos Monumentos Históricos tudo o que podia dizer respeito ao restauro, à conservação ou à manutenção do Palais des Papes.

As regulamentares pinturas cinzentas haviam sido eliminadas das paredes entre 1906 e 1911, o que permitiu a Louis-Joseph Yperman empreender um primeiro restauro dos afrescos das capelas de Saint-Jean e Saint-Martial, da câmara do Cervo e da Audiência. Depois, Albert-Jacques Gsell-Maury procedeu a outros restauros em 1913. A Tour de la Garde-Robe tinha sido consolidada em 1924, o arquitecto e decorador Armand-Albert Rateau pôde proceder a uma revisão das paredes pintadas a fresco da Câmara do Papa em 1936. A Segunda Guerra Mundial pôs termo ao restauro das pinturas, o qual só seria retomado em 1960.

Os afrescos da capela Saint-Martial começaram a ser restaurados em 2005. É um conjunto excepcional que testemunha a alta qualidade artística da "primeira escola de Avinhão" e do seu chefe de fila, Matteo Giovanetti.

Para a parte arquitectónica, os trabalhos de restauro pretendidos por Nodet para o palácio novo terminaram. em 1925, com a limpeza do "Pomar de Urbano V". Um ano depois começava uma nova obra com a recuperação do Grande Tinel no palácio velho. Este restauro foi terminado ao mesmo tempo que a cozinha alta e que a reconstrução das torretas da fachada, em 1933. A continuação dos trabalhos só recomeçaria em 1946 com a remodelação da sala do Consistório e o restauro da Tour d'angle.

Uma nova campanha de restauro desenvolveu-se, de 1961 a 1963, na câmara do Paramento, sendo continuada depois, entre 1966 e 1968, pela sala de Jesus. A ala do Conclave pôde ser inteiramente restaurada de 1970 a 1976, o que permitiu a instalação dum Centro de Congressos. Os trabalhos de restituição das salas do palácio acabaram no século XX , entre 1979 et 1981, com o restauro da capela de Bento XII, que tinha sido iniciado no século XIX.

A classificação como Património Mundial pela UNESCO

Em 1995, o Palais des Papes foi classificado, ao mesmo tempo que o centro histórico de Avinhão, o conjunto episcopal e a Ponte de Avinhão (Ponte Saint-Bénézet), na Lista do Património Mundial da Humanidade da UNESCO, segundo os critérios de selecção:

  • i: representa uma obra-prima do génio criador humano.
  • ii: testemunho duma mudança de influências considerável durante um dado período numa atmosfera cultural determinada, no desenvolvimento da arquitectura ou da tecnologia, das artes monumentais, da planificação das cidades ou da criação da paisagens.
  • iv: oferece um exemplo eminente dum tipo de construção ou de conjunto arquitectónico ou tecnológico ou de paisagem ilustrando um ou mais períodos significativos da história Humana.

Actualidade: o palácio da cultura

Actualmente, com cerca de 650 000 visitantes por ano, o Palais des Papes é sempre um dos dez monumentos mais visitados da França, o que já sucedia em 1998, quando o palácio recebeu oficialmente 542.450 visitantes, situando-se então na oitava posição, à frente das torres da Catedral de Notre-Dame de Paris.

Existe no palácio uma "biblioteca loja" e uma "garrafeira" (situada numa sala de artilharia, na parte de trás do Palais des Papes). Ambos são espaços onde a entrada é livre.

Manifestações culturais

O lugar, a par da sua dimensão, das suas qualidades arquitectónicas e do ambiente que proporciona, serve regularmente para exposições. A primeira exposição importante esteve patente entre 27 de Junho e 30 de Setembro de 1947. Teve lugar na Grande Capela por iniciativa de René Char. tratava-se duma "Exposição de Pinturas e Esculturas Contemporâneas" organizada por Yvonne Zervos e foi o ponto de partida do que sse tornaria o Festival de Avinhão sob o impulso de Jean Vilar. Um catálogo de 92 páginas foi editado nessa ocasião.

A segunda desenrolou-se por ocasião dos centenários pontifícios 1352-1952. O palácio acolheu uma "Exposição de Arte Sagrada e de Arte Popular: História do Palais des Papes". Também foi editada, então, uma plaqueta.

Uma primeira exposição de Picasso foi apresentada entre Maio e Outubro de 1970. Foi seguida por uma segunda que se desenrolou entre 23 de Maio e 23 de Setembro de 1973 e que compreendia 201 pinturas. Nesta ocasião foi editada, pela Rulliére-Libeccio d'Avignon em colaboração com a Galeria Louise Leiris, uma obra em 236 páginas intitulada "Photographies en noir et en couleurs: Mario Atzinger" ("Fotografias a negro e em cores: Mario Atxinger") e prefaciada por René Char. A exposição Picasso, que se devia tornar permanente, teve fim em 1976 na sequência dum roubo.

Por ocasião do XXXII Festival de Avinhão, o Palais des Papes consaghrou, de 20 de Junho a 10 de Setembro de 1978, uma retrospectiva de Fernand Mourlot e aos seus ateliers de litógrafo. Intitulada "Cinquante années de lithographie" ("Cinquenta Anos de Litografia"), esta exposição serviu de ocasião para o artista editar um folheto de 55 páginas com as suas obras expostas.

No ano seguinte, sob a autoridade de Sylvain Gagnière, foi organizada uma exposição, entre 25 de Junho e 15 de Outubro, consagrada a Nicolas Mignard, apelidado de Mignard d'Avignon. Nesta ocasião foi publicado um catálogo de 174 páginas devido a Antoine Schnapper.

Em seguida, foram organizadas outras três exposições importantes, organizadas por Roland Aujard-Catot. A primeira foi uma retrspectiva do pintor Alfred Lesbros, de 25 de Setembro a 1 de Novembro de 1981. A segunda celebrou o centenário de Auguste Chabaud, de 28 de Setembro a 31 de Outubro de 1982. Depois, seis anos mais tarde, foi feita uma homenagem a Magnelli, aquando da exposição do centenário na Grande Capela do Palais des Papes, de 8 de Julho a 30 de Setembro de 1988.

Foi em 1990 que Avinhão e o seu festival renderam homenagem a René Char através duma exposição organizada por Marie-Claude Char e intitulada "René Char : faire du chemin avec…" ("René Char: fazer caminho com…". Foi editado um catálogo de 325 páginas que cita a famosa frase de Jean Vilar a propósito do seu amigo: "O Festival é uma ideia de poeta".

A exposição sobre Catarina de Siena na Grande Capela do palácio, em 1992, marca uma virgem com a internacionalização dos temas. Organizada por Esther Moench, Christian e M. Loury, permitiu a edição dum catálogo. Cinco anos mais tarde, de 14 de Junho a 28 de Setembro de 1997, deu-se uma exposição conjunta entre o Palais des Papes e o Petit Palais de Avinhão que foi consagrada às "Histoires tissées" ("Histórias tecidas"). Odile Blanc, para o Palais des Papes, reservou o tema de "La légende de Saint-Étienne" ("A lenda de Santo Étienne"), enquanto que Sophie Lagabrielle e Esther Moench, para o Museu do Petit Palais, escolheram o dos "Brocarts célestes" ("Brocados Celestes"). No ano seguinte, foi a vez de "Trésors d'horlogerie" ("Tesouros da Relojoaria"), exposição organizada por Catherine Cardinal e Dominique Vingtain, que esteve patente nas salas do palácio de 30 de Maio a 27 de Setembro de 1998.

Com "Passages d'une rive à l'autre" ("Passagens duma margem à outra"), o tema da exposição, que esteve aberta entre Junho de 2000 e Abril de 2001, debruçou-se tanto sobre a parte local, com a posição de Avinhão e Villeneuve-lès-Avignon face a face sobre as duas margens do Ródano, como também sobre uma especificidade internacional, estando Avinhão em "Terra do Império" e Villeneuve em "Terra de França". Esta mostra foi organizada por Françoise Chauzat, Jean-Pierre Locci e Catherine Reversac com a participação dos Arquivos departamentais de Vaucluse.

O tema inicial das exposições de Arte Contemporânea nunca foi esquecido, pelo que dois anos mais tarde, no quadro das celebrações por toda a França dos vinte anos de criação dos fundos regionais de arte contemporânea, o palácio acolheu, de 28 de Junho a 12 de Outubro de 2003, uma exposição consagrada ao 'Esprit des Lieux ("Espírito dos Lugares") que propunha um "percurso articulado em torno das principais reflexões da arte" sobre esses trinta últimos anos.

A exposição sobre "Saints de Byzance: icônes grecques de Veroia XIe ‑ XVIIe siècle" (Santos de Bizâncio: ícones gregos de Veroia séculos XI-XVII") foi fruto duma estreita colaboração internacional entre o Palais des Papes e organizações helénicas. Esta 11ª Ephoreia Vyzantinōn Archaiotētōn, que abriu as portas de 3 de Dezembro de 2004 a 2 de Abril de 2005, teve como comisários Jenny Albani e Andreas Nikolaidēs, que fizeram publicar o seu catálogo pelas Edições I. Sideris.

Mas estas exposições podem tocar a arte nas suas formas mais variadas e é assim que, em 2008, foram organizadas várias exposições, entre as quais uma sobre os trajos de cena de Jean Vilar entre 1947 e 1963.

Nascimento do festival

A mais conhecida das suas manifestações culturais é o Festival de Avinhão, cujo Cour d'honneur do palácio é o lugar emblemático. No contexto duma exposição de arte moderna que haviam organizado na Grande Capela do palácio, o crítico de arte Christian Zervos e o poeta René Char encomendaram a Jean Vilar, actor, encenador e director de teatro, uma representação da peça Meurtre dans la cathédrale ("Assassínio na Catedral"), que ele havia criado em 1945. Depois de ter recusado, Vilar propôs-lhes três criações: A tragédia do Rei Ricardo II, de Shakespeare, uma peça desconhecida em França, La Terrasse de midi, de Maurice Clavel, autor então desconhecido, e L'Histoire de Tobie et de Sara, de Paul Claudel.

Após concordância da municipalidade, o Cour d'honneur do Palais des Papes foi arranjado e cncretizou-se Une semaine d'Art en Avignon ("Uma semana de arte em Avinhão") de 4 a 10 de Setembro de 1947. Teve 4800 espectadores, dos quais 2900 pagaram a entrada, os quais assistiram, em três lugares, (o cour d'honneur do Palais des Papes, o teatro municipal e o Pomar de Urbano V), a sete representações de três criações.

Jean Vilar reressou no ano seguinte para uma Semaine d'art dramatique (Semana de arte dramática), com a repetição de "A Tragédia do Rei Ricardo II e as criações de La Mort de Danton, de Georg Büchner, e Shéhérazade, de Jules Supervielle, todas as três metidas em cena por ele. Formou-se, então, uma trupe de actores que se passou a reunir um público cada vez mais numeroso e fiel ano após ano.

O sucesso foi crescente. Em 1980, Paul Puaux, tornado director a seguir a Vilar, instalou-se na Maison Jean-Vilar, e Bernard Faivre d’Arcier substitui-o na direcção do festival, que se tornou, nesse mesmo ano, uma associação regida pela lei de 1901. O festival acabava de se profissionalizar.[carece de fontes?]

Sede dos arquivos departamentais

Os Arquivos Departamentais de Vaucluse também estão albergados numa parte do palácio, próximo da Catedral de Notre-Dame des Doms.

Os locais anexos aos dos arquivos departamentais abrigam, igualmente, o Cenro de Pesquisas sobre o Papado de Avinhão, organismo sob a tutela da Escola Francesa de Roma, em colaboração com o Instituto de Pesquisa e História dos Textos.[carece de fontes?]

Centro Internacional de Congressos

O Palais des Papes alberga, actualmente, um Centro Internacional de Congressos que foi criado em 1976 no enquadramento monumental do palácio e, desde então, acolhe um grande número de manifestações.

Duas alas do palácio, a ocidental e a do conclave (também chamada "ala dos Grandes Dignitários") estão atualmente dotadas de salas reorganizadas para congressos, colóquios, reuniões de 10 a 550 pessoas. No total, dz salas e acolhimento e de trabalho, às quais se juntam as salas de prestígio do Grand Tinel (400 pessoas) e da Grande Audiência (700 pessoas), situadas habitualmente no circuito de visita do monumento e que só podem ser utilizadas como complemento das salas de reunião para organização de cocktails, jantares de gala ou, ainda, exposições. Ainda se junta o terraço dito "dos Grandes Dignitários" que foi construído entre 1345 e 1347. Por fim, sem estar dentro do palácio mas sim situado no bordo exterior, escavado no rochedo, como limite do jardim dos Doms, existe o espaço Jeanne-Laurent.

Elementos arquitectónicos

Devido ao seu tamanho, cerca de 15.000 metros quadrados de superfície, o Palais des Papes é o mais importante conjunto gótico do mundo. Além do seu tamanho, numerosos dos seus elementos arquitectónicos merecem uma atenção particular… É por esse motivo que, quando Viollet-le-Duc redigiu o seu Dictionnaire raisonné de l'architecture française du XIe au XVIe siècle ("Dicionário fundamentado da arquitectura francesa do século XI ao século XVI"), várias passagens falam do palácio.

'A, Igreja de Notre-Dame des Doms, restabelecida na sua forma primitiva e antes do acréscimo das capelas.
B & H, torres
b, corps de logis com a sala de fenstins ao lado
C, pátio do claustro
D, cour d'honneur
e, mata-cães defendendo o edifício E
G, grande sala inteiramente abobadada que servia de capela.
I, escadaria de honra dando acesso à capela e aos apartamentos dos corps de logis a ocidente e a levante
K, escadaria de acesso a um corredor de serviço que se estende ao longo das salas da ala ocidental e comunica com as defesas superiores pelas escadas em caracol L, situadas por cima da poterna P, e leva à ala ocidental em comunicação com a logis E.
F, as grandes cozinhas (primeiro andar).

A fachada oeste

No seu tomo IX do Dictionnaire raisonné de l'architecture française du XIe au XVIe siècle, Viollet-le-Duc descreve a porta principal do Palais des Papes:

Quando se compara a arquitectura em torno da porta entre a versão actual e a versão descrita por Viollet-le-Duc, podem notar-se as diferenças. Uma parte dessas são, porém, explicadas por si próprias numa nota de fundo de página que faz referência aos dois caminhos de ronda:

As outras diferenças devem-se à reconstrução da fachada depois da evacuação dos lugares pelos militares no século XX. Viollet-le-Duc explica-nos, assim, um outro ponto importante da arquitectura do Palais des Papes, não somente referentes à porta principal, mas ao conjunto dos muros de cintura:

O papel de praça forte do palácio era então, segundo ele, incontestável. Entretanto, no tomo VI, preocupa-se em precisar:

Isto ilustra claramente que o propósito do palácio não era unicamente a protecção, mas que o aparato tinha tomado igualmente o seu lugar.

As torres

O Palais des Papes possui doze torres, que são:

  • A Torre de Trouillas (dito por outras palavras, "a Torre da Grande Prensa", do provençal truel). Verdadeira torre de menagem, ocupa o ângulo nordeste do palácio e possui um tecto-terraço. Inicialmente, tinha uma altura de 60 metros. A torre conta com um rés-do-chão e cinco andares. Na sala baixa, que comunica com o claustro, foi encarcerado Cola di Rienzo, durante treze meses, sob o pontificado de Clemente VI. A sua função de defesa é confirmada pela espessura das suas paredes, até 4,50 metros, e pelas afectações dos seus andares: quartos de sargentos de armas e de artilharia.
  • Situada a sul e directamente acoplada á Torre de Trouillas, fica a Torre das Latrinas, ou Torre da Geladeira. A sua primeira denominação data da época de residência dos papas. Tinha dois andares de latrinas que correspondiam com as duas galerias do claustro. A sua fossa era irrigada por uma recuperação das águas pluviais a partir do claustro e correspondia com o grande esgoto das cozinhas antes de se lançar no Durançole e no Ródano. Esta fossa serviu de geladeira nos tempos dos vice-legados e este nome ficou-lhe depois do massacre de Outubro de 1791. No cimo da torre encontrava-se o alojamento do Capitão do palácio.
  • A Torre das Cozinhas, também ela na parte nordeste do palácio, fica a sul e directamente acoplada à Torre das latrinas. Carrega este nome, simplesmente, porque abrigava as antigas cozinhas.
  • A Torre de São João. Situada na fachada leste, esta pequena construção ameada, de base quadrada, também é chamada de Torre das Capelas. Com efeito, além da Capela de São João, reservada aos altos dignitários admitidos no Consistório, também abriga a Capela de São Marçal, reservada ao papa e acessível a partir do Grande Tinel.
  • A Torre do Estudo. Também na fachada leste, ao nível dos apartamentos privados. Era a mais próxima da "Roma", hoje destruída.
  • A Torre dos Anjos, ou Torre do Papa, fica ainda mais a sul da fachada leste. Coberta por um terraço rodeado por um parapeito ameado e encimado por um châtelet, foi anteriormente chamada de Grande Torre ou Torre do Tesouro. Apesar da sua ocupação pelos militares, é uma das torres mais bem conservadas do palácio. Servia para abrigar o "Quarto do Papa" Bento XII, com ramos de folhagem pintados a têmpera, sobre os quais estão pousadas aves, assim como a sua "Biblioteca" e as salas do "Tesouro Alto" e do "Tesouro Baixo". Antiga extremidade sul do velho palácio de Bento XII, a sua segunda vocação foi a de ser uma torre de defesa. As suas paredes, com espessura de três metros, são reforçadas nos ângulos e no meio por contrafortes. O quinto andar da torre estava afecto aos sargentos de armas que formavam a guarda do palácio.
  • A Torre do Jardim está, actualmente, separada do palácio, dentro do jardim a leste do Palais des Papes. Estava situada a leste da "Roma" (hoje desaparecida).
  • A Torre do Guarda-Roupa é uma construção do palácio novo de Clemente VI directamente acoplada à parte sul da Torre dos Anjos.
  • A Torre de São Lourenço. Situada na esquina da Praça da Mirande com a Rua Peyrolerie, na parte sudeste do palácio, foi acrescentada sob o pontificado de Inocêncio VI. Destinada à defesa, ainda se podem ver as ranhuras e colchetes das suas grades. Composta por seis níveis, assegurava a protecção do ângulo sudeste do palácio. Os cardeais envergavam aqui as suas vestimentas sacerdotais, o que lhe valeu o nome de vestiário. Mais tarde, nos séculos XVII e XVIII, tornou-se na sede do Auditor Geral, presidente da Rote.
  • A Torre da Gache (este nome vem-lhe do provençal agachoun, porque servia de torre de observação), situa-se entre a porta dos champeaux e a Grande Audiência, na parte sudoeste do palácio. Do alto desta torre de observação, domina-se, com som de trombeta, o toque de recolher, advertindo os habitantes em caso de incêndio ou de alarme. Na sala do rés-do-chão dava-se, na época dos papas, a audiência dos contraditos, ou pequena audiência. A sede deste tribunal, ligada à chancelaria, foi transformada, no início do século XVIII, em arsenal. É desta época que data a decoração em grisaille da sua abóbada.
  • A Torre de Ângulo, ou Torre dos Grandes Dignitários porque se situa no prolongamento da Ala dos Grandes Dignitários, fica situada na esquina sudoeste do palácio novo.
  • A Torre da Campane (o provençal campana designa um sino), fazia de contraponto à Torre de Trouillas e protegia a face norte do palácio. Era lá que se alojava o Maître d'Hôtel do papa. Este acedia aos seus apartamentos pela galeria alta do claustro, que tinha sido decorada a têmpera por Matteo Giovanetti.

As salas principais

A Sala dos Guardas está situada na Ala dos Grandes Dignitários. A divisão tem 17 metros por 10 compõe-se de dois vãos desiguais com abóbadas nervuradas. Acima dela, encontra-se a antiga Câmara do Tesoureiro. Com um tecto muito alto, possui várias portas e oferece ao seu ocupante uma agradável vista. A divisão chamada de Cubiculaire é uma das mais belas salas do palácio, tendo sido habitada pelo cubicular do papa, Bernard de Saint-Étienne. Situada por trás das duas torretas da fachada principal do palácio, onde tem uma janela, e por cima da Porta dos Champeaux, a sala tem 9,80 por 7,40 metros.

A Ala do Conclave possui a Sala do Conclave, que foi, antigamente, o apartamento dos hóspedes. Permaneceram ali o rei João, o bom, o imperador Carlos IV, Pedro IV, rei de Aragão, Luís II de Bourbon, e os duques de Orleães, de Berry e da Borgonha. Esta sala comunica com o Grand Tinel, que designa o antigo grande refeitório, ou sala de festins. Esta divisão, de proporções impressionantes, uma vez que possui um tecto muito alto e cobre 48 metros de comprimento por 10,25 de largura, também era utilizada aquando dos conclaves.

Abaixo da Sala do Conclave ficava a Padaria, grande divisão antigamente dividida em seis mais pequenas e que servia, na época, para a intendência e a confecção das refeições da corte (ou seja, mais de 300 refeições por dia) e o fornecimento de refeições aos pobres (distribuição de pão e vinho a 800 pobres por dia). Ainda abaixo, no nível mais baixo, ficava a Grande Adega (ou Grande Adega de Bento XII), antiga cave escavada, em 1337, no rochedo. Para se chegar lá, era necessário passar pela Galeria do Claustro.

Por fim, a Sala da Grande Audiência, ou Tribunal da Rota, obra-prima de Jean du Louvres, apelidado de Loubières, possui 52 metros de comprimento põe 16,80 de largura e 11 metros de altura. Está situada no lado oposto à Ala do Conclave em relação à Porta dos Champeaux. Aquando da morte de Clemente VI, Matteo Giovanetti realizou, na parede norte do seu vão oriental, nas suas duas abóbadas e na metade da parede leste, uma impressionante série de afrescos representando o "Juízo Final". Estas pinturas foram destruídas pelos militares em 1822.

Várias galerias permitem reunir as diferentes partes, entre as quais se encontram a Galeria do Conclave e a Galeria do Claustro.

O Studium de Clemente VI ou Câmara do Cervo

O Estúdio de Clemente VI, ou Câmara do Cervo, é uma das mais célebres salas do palácio graças à sua decoração excepcional. Este studium, ou sala de estudos, mandada fazer por Clemente VI, tomou muito tempo depois o nome de "Câmara do Cervo", por causa duma caçada pintada na sua parede ocidental. Infelizmente, aquando dum ordenamento desta sala nos tempos dos vice-legados, o cervo foi cortado pela instalação duma chaminé, não restando mais que os quartos traseiros.

Michel Laclotte foi um dos primeiros a sublinhar toda a inovação que representava a escolha do tema naturalista dos afrescos que decoravam o studium de Clemente VI. Este especialista da pintura do século XIV considera que:

Aquele autor conclui a sua análise com uma síntese da história da arte medieval tardia ou gótica internacional:

Embora o nome de Robin de Romans tenha sido avançado, o estado actual das pesquisas sobre o autor dos afrescos não permite conhecer o nome do, ou dos, pintores que trabalharam nesta sala. Dominique Vingtain, que foi conservadora do Palais des Papes, sustenta a intervenção de vários pintores fazendo parte dum atelier franco-italiano e colocados sob a direcção de Mateo Giovanetti, mas recusa os nomes de Robin de Romans, Pierre Resdol, Rico d'Arezzo ou Pietro de Viterbo.

Pelo contrário, considera que:

Para ela, a escolha da iconografia revela, muito provavelmente, o patrocinador e a sua vontade de se presentear, através das cenas de caça, como um senhor. Isto é o que já tinha sugerido o Dr. Gabriel Colombe, em 1933, a propósito das personagens representadas. Ele considerava, nomeadamente, que o falcoeiro e o seu filho só podiam ser parentes do papa, vendo no adulto o retrato de Guillaume II Roger de Beaufort, irmão do papa, e no adolescente que lhe faz face, o do seu filho Guillaume III, futuro Visconde de Turenne.

As capelas

Situada no segundo andar da Torre de São João, a Capela de São Marçal reconstitui pelas suas pinturas os pontos fortes da vida de São Marçal. Foi realizada por Matteo Giovanetti entre 1344 e 1345. O sentido de leitura das suas cenas desenvolve-se de cima para baixo.

As secções das abóbadas desta capela são ilustradas por treze cenas do início da vida de São Marçal: o seu reencontro com o ensinamento de Cristo quando era jovem; o seu baptismo; a pregação de Cristo; a pesca; a aparição de Cristo a São Pedro e o seu pedido de enviar Marçal a evangelizar a Gália; o envio de Marçal com dois companheiros à Gália; a entrega do bastão pastoral de São Pedro a Marçal; a ressurreição do Austricliniano durante a qual Marcial impõe o bastão de São Pedro à morte; a cura da filha de Arnulfus; a ressurreição do filho de Nerva; o baptismo do povo de Toulx; o milagre de Ahun e a cura do paralítico.

O registo superior continua com sete outras cenas em quatro painéis: a ressureição de André e de Aureliano em Limoges; o martírio de Santa Valéria, a ascensão ao céu da sua alma e a Ressurreição do seu carrasco; o arrependimento honorável do Duque Étienne e a ressurreição de Hildeberto, um dos seus oficiais; a destruição dos ídolos em Bordéus, a cura de Sigisberto, Conde de Bordéus e a extinção do incêndio.

No registo mediano encontram-se nove outras cenas em quatro painéis: a aparição de Cristo a Marçal em Poitiers depois do martírio de São Pedro e São Paulo; a ordenação de São Aureliano e a criação de treze igrejas na Gália; a aparição de Cristo para anunciar a morte a Marçal; a oferenda feita a Marçal por Santa Valéria da sua cabeça cortada e por fim a sua morte; o cortejo fúnebre e a cura das doenças graças ao seu sudário. Este registo, estando mais próximo do solo e, portanto, mais facilmente acessível, está em menos bom estado de conservação que o resto. Por fim, o registo inferior, rente ao solo, está reservado a motivos em trompe-l'œil.

De 1347 a 1348, Matteo Giovannetti ocupou-se da Capela de São João. Situada sob a Capela de São Marçal, esta última, com uma entrada a norte, é acessível a partir da Sala do Consistório, no mesmo plano com o claustro construído por Bento XII. Também ali, o sentido de leitura é efectuado de cima para baixo, mas tem duas histórias em paralelo; a de São João Baptista, a sul e leste, e a de São João Evangelista, a norte e oeste. A história propriamente dita só começa a partir do registo superior, estando as abóbadas dedicadas à apresentação de parentes dos dois santos. Para São João Baptista: Santa Isabel, sua mãe, São Zacarias, seu pai, e Santa Isméria, sua avó materna. Para São João Evangelista: Santa Maria Salomé, sua mãe, São Zebedeu, seu pai, e Santa Ana, sua avó materna. No total, com os dois santos, são apresentadas oito personagens nas abóbadas.

Os registos superiores e mediano retomam esta mesma divisão, enquanto o registo inferior, também aqui, está reservado a motivos em trompe-l'œil.

Edificada sob Clemente VI, a Grande Capela, dedicada aos apóstolos São Pedro e São Paulo, foi acabada depois de quatro anos de trabalhos. A sa nave é excepcional, com os seus 52 metros de comprimento por 15 de largura e 20 de altura. Duma qualidade arquitectónica muito superior à das duas "pequenas" capelas da Torre de São João, as primeiras pinturas das suas paredes datam, na realidade, do século XVI.

O acesso é feito por uma escadaria monumental, dita escadaria de honra. O seu conceptor, Jean du Louvres, optou por uma escadaria lanço sobre lanço, novidade que rompia totalmente com as escadarias em caracol e de lanço direito que tinham sido construídas até então. Foi terminada e paga ao arquitecto em Outubro de 1346. Dominique Vingtain, conservadora do palácio, considera que é uma estreia na arquitectura gótica:

O seu portal e o seu adro também são notáveis. Situado ao nível do Cour d'Honneur, é deste lugar que o pontífice dava a sua tripla bênção à multidão e onde lhe colocavam a tiara aquando da sua coroação pontifícia. Infelizmente, a ocupação do palácio pelos militares degradou o conjunto.

Os pátios

O Pátio de Honra

Clemente VI, a partir do início do seu pontificado, em 1342, mandou arrasar as casas e edifícios situados próximo do palácio velho. Essas construções delimitavam a Place des Cancels e foi nesse lugar que se estabeleceu o Pátio de Honra (Cour d'Honneur). Este pátio acolhe, actualmente, as principais apresentações do Festival de Avinhão. No século XIV, era lugar de passagem, de encontro e de espera, onde se acumulavam todos aqueles que eram admitidos no palácio. Da janela da "Grande Audiência", que se lhe sobrepõe no lado direito, o pontífice aparecia à multidão e dava-lhe a sua bênção.

O pátio forma um quadrado com cerca de 1800 metros quadrados, que é delimitado pelo palácio velho, a norte e leste, e pelo palácio novo, a sul e oeste. No seu centro encontram-se os vestígios da Sala de Audiência de João XXII e a mina, com uma profundidade de 29 metros, que Urbano mandou escavar. Primitivamente, abriam-se três portas para este pátio:

  • a Porte dos Champeaux, única entrada actual;
  • a Porta de Notre-Dame, a noroeste;
  • a Porte da Peyrolerie, a sudeste.

O Pátio do Claustro

O Pátio do Claustro é delimitado por quatro edifícios: a Ala do Consistório, a leste, a Ala dos Hóspedes, a sul, a Ala dos Familiares, a oeste, e a Capela de Bento XII, a norte.

A Ala do Consistório compõe-se por duas salas sobrepostas: a Sala do Consistório e o Grande Tinel . Atrás desta ala encontra-se a Garrafeira e a Padaria. A Ala dos Hóspedes, ou Ala do Conclave, ergue-se em três níveis. No rés-do-chão encontrava-se a Grande Adega; acima, os apartamentos dos engarrafadores e dos padeiros, enquanto no terceiro andar (30 metros de comprimento) é chamado de "Câmara do Imperador" desde que Carlos IV do Luxemburgo ali permaneceu.

A Ala das Família agrupa os alojamentos da Cúria. Compõe-se dum rés-do-chão e de dois andares. Quanto à Capela de Bento XII, esta é subdividida em duas partes: a capela baixa, ou obscura, que foi rapidamente transformada em reserva, e a capela alta, ou Grande Capela. O conjunto destes dois edifícios está afecto aos arquivos departamentais, enquanto que a ala meridional do claustro foi transformada em Centro de Congressos.

Representação do palácio ao longo da história

Viollet-le-Duc

No seu Dictionnaire raisonné de l'architecture française du XIe au XVIe siècle, Viollet-le-Duc fala várias vezes no Palais des Papes de Avinhão, da sua porta principal com as suas duas torretas, das suas muralhas e das suas galerias, sem esquecer uma das suas cozinhas.

Ao longo de toda essa obra, o autor descreve e comenta a arquitectura. Por exemplo, com a Galeria do tomo VI:

Viollet-le-Duc chega a emitir os seus pontos de vista sobre certas práticas, como por exemplo quando fala da cozinha e da sala mostrada aos visitantes:

Algumas das suas descrições são acompanhadas por ilustrações (desenhos a preto e branco). Entre estas, seis são do Palais des Papes ou de seus elementos, incluindo duas plantas.

O Palais des Papes na literatura

Turismo literário

Em 1832, Désiré Nisard, grande defensor da causa dos monumentos históricos, fez escala em Avinhão quando descia o Ródano de Lyon até Arles. Nos seus Souvenirs de voyage, diz ter encontrado o palácio sem qualquer interesse, considerando que só poderia servir "para aqueles que estão determinados a encontrar todas as ruínas". Para ele, este edifício em plena decrepitude é o símbolo da "pequena e obscura história dum feudo pontifício". Mas este erudito recorda bruscamente a história do Grande Cisma à vista dum velho almocreve coberto por um gigantesco chapéu: "Acreditei ter visto passar a sombra dum antipapa, vindo visitar incógnito a sua antiga capital".

Três anos mais tarde Prosper Mérimée publicou as suas Notes d’un voyage dans le Midi de la France. Este livro contém a relação da sua visita a Avinhão e ao Palais des Papes que ele tinha decidido mandar inscrever na sua primeira lista dos Monumentos Históricos de 1840. No entanto, ele também exprimiu as suas impressões mitigadas. Em primeiro lugar, julgou a antiga cidade papal:

Depois, escreveu no seu registo sobre o palácio, que lhe pareceu demasiado complexo e pouco digno de interesse:

Só os afrescos encontraram graça aos seus olhos, o que não o impediu de gravar o seu nome sobre um deles. Viu, mesmo, na chaminé do Grande Tinel, um forno que pode ter servido para aquecer as ferramentas de tortura.

Pelo contrário, em 1834 – o ano da viagem de Mérimée a Avinhão – Alexandre Dumas, romântico estusiasta, cai de admiração face ao palácio. Como ele narra nas Impressions de voyage, fez a sua descoberta, quase por acaso, depois de ter tomado a Rua Peyrolerie:

Imediatamente, por trás dessa fachada destruída, teve a visão – a reaparição – de todo esse período medieval:

Passada a porta, irrompeu em plena caserna; lamenta, mas prossegue a sua busca medieval:

Com permissão para visitar os interiores, descobre os afrescos e isso foi para ele uma nova revelação:

Stendhal, no mesmo período, visitou Avinhão e o seu palácio. Foi para ele um regresso às fontes, uma vez que a família dum dos seus avós era originária dali, o que lhe permitiu inventar para si origens italianas. No seu livro Mémoire d'un touriste, publicado em 1838, narra, ignorando toda a verdade histórica a propósito de Giotto e da Inquisição:

Em 1877, Henry James efectuou um périplo em França. No decorrer deste, visitou Avinhão pela terceira vez, cidade que sempre o tinha decepcionado. Tanto quanto o Palais des Papes que era, para ele, o mais sinistro de todos os edifícios históricos. Foi lá quando o vento mistral soprava em rajadas e executou-o numa frase:

Em 1925, Joseph Roth, depois duma viagem me França, reúne as suas notas sob o título Les villes blanches. A partir do final do século XIX, um movimento de jovens arquitectos da Europa central ficou apaixonado pela arquitectura italiana do sul. O romanancista austríaco levou a cabo esta missão na França meridional e descobriu Avinhão. Fascinado, sentiu a cidade dos papas como uma cidade que foi "ao mesmo tempo Jerusalém e Roma, a Antiguidade e Idade Média". A sua missão tornou-se, então, mística:

Poemas, crónicas, contos, romances e banda desenhada

As Mélancolies de Jean Dupin foram imprimidas em Paris, na casa de Michel le Noir, sem data, mas seguramente cerca de 1510. Jean Dupin começou a redigi-las em 1324 e terminou-as em 1340. Nessas duas estrofes, o moralista misturou as críticas de nepotismo que foram feitas a João XXII e que Bento XII nunca mereceu, à sua surpresa de ver construir uma fortaleza pontifícia na qual o papa "se tem fechado".

No século XIV, Jean Froissart, nas suas Chroniques, descreve a recepção organizada por Clemente VII e pelos seus cardeais, no Palais des Papes, aquando da visita do rei Carlos VI em companhia do seu irmão e dos seus tios de Berry e da Borgonha, no outono de 1389. Mandou-lhes servir um "jantar belo e longo e bem substancial", depois, após as festividades oferecidas pelo rei e que misturaram folia e danças, "as damas e meninas de Avinhão" receberam muitas generosidades da parte do soberano.

Em 1855, no primeiro número da Armana Prouvençau apareceu um poema intitulado La cansoun di felibre. Devia-se a Théodore Aubanel, um dos três pilares fundadores do movimento felibreano. O poeta canta o Palais des Papes numa estrofe:

La Mule du pape é um dos contos mais conhecidos de Alphonse Daudet, publicado nas Lettres de mon moulin em 1870. É a história duma mula pontifícia instalada no palácio. O jovem e insolente Tistet Védène (um "atrevido maltrapilho"), encarregado de se ocupar dela, teve a ideia de fazê-la subir ao "pináculo da matriz, lá em cima, mesmo lá em cima, na ponta do palácio", antes de partir por sete anos. Uma profunda necessidade de vingança foi então desenvolvida pela mula e valeu-lhe "um par de coices tão terrível, tão terrível, que mesmo de Pampérigouste via-se o fumo, um turbilhão de fumo claro onde flutuava uma pena de íbis; tudo o que restou do desafortunado Tistet Védène!". Por várias vezes, o palácio e os elementos que o constituem são citados ou evocados: "de alto a baixo das casas que se aglomeram em volta do grande palácio papal como abelhas em torno da sua colmeia", "a ponta do palácio", "esacadaria em espiral", "o pátio", etc.

Quanto a Frédéric Mistral, em 1897, no Le poème du Rhône, junta no mesmo elogio admirativo Avinhão e o Palais des Papes: "É Avinhão e o Palais des Papes! Avinhão! Avinhão no seu rochedo gigante! Avinhão, a sonante de alegria, que, um após outro, eleva os pontos dos seus campanários todos semeados de florões; Avinhão, a afilhada de São Pedro, que viu a barca e a ancorou no seu porto e carrega as chaves à sua cintura de ameias; Avinhão, a cidade encantadora que o mistral penetra e despenteia, e que por ter visto a glória brilhar tanto, só guardou para si a indiferença".

Jacques Bouyala e Havsali, para os textos, assim como Nicole Minck, para os desenhos, são os autores duma banda desenhada sobre Le palais des papes d'Avignon. Esta obra foi publicada, en 1985, pelas Edições Sibou na colecção Vivre le passé.

Palais des papes foi um livro modelo devido a Jean-Tristan Roquebert, Sylvain Gagnière, Gérard Gros e Alain de Bussac, editado em 1991. Esta obra compreende, além do texto histórico, vinte e oito estampas em cor a recortar. Estas permitem reconstituir o palácio pontifício à escala de 1/300. O texto francês é traduzido em inglês, alemão, espanhol e japonês.

L'anonyme d'Avignon é um romance de Sophie Cassanes-Brouquin, editado em 1992, no qual o seu herói, o jovem Toulousain Philippe de Maynial, vai a Avinhão depois da partida dos papas. Todos esperam ainda um hipotético regresso e o Palais des Papes permanece como um símbolo do esplendor perdido. Toda a primeira parte, passa-se na cidade deserta onde o jovem homem aprende as técnicas da pintura. Graças ao seu mestre, ele descobre os grandes antigos que foram Simone Martini e Matteo Giovanetti, e participa, sem saber, na criação da Escola de Avinhão, cujas obras e artistas vão influenciar toda a Europa.

La tour des anges, romance de Michel Peyramaure, publicado no ano 2000, mete em cena Julio Grimaldi, um filho de camponenes italianos que se instalam em Avinhão. Toda a sua vida será marcada pela edificação do Palais des Papes, pelos seus encontros com aqueles que gravitam à sua volta, entre os quais Petrarca e Matteo Giovannetti, pelo seu trabalho como escriba no próprio palácio e, depois da partida definitiva do papa Gregório XI para Roma, pelo seu papel de último guardião do templo abandonado e, particularmente, da "Torre dos Anjos", onde a "anã vermelha" vai empurrá-lo para a morte. Esta obra foi publicada em Portugal pelas Editorial Bizâncio, com o título "A Torre dos Anjos", inserido na colecção Ilhas encantadas.

Panique au Palais des papes é um romance policial de Henri Coupon, editado em 2000. O autor, um advogado, escolheu Avinhão e o seu Festival como enquadramento duma acção terrorista. Depois dum banho de sangue, a lei que triunfará não será a do código de procedimento penal.

La Prophétie d'Avignon, de Emmanuelle Rey-Magnan e Pascal Fontanille foi publicado em 2007 sob a forma de romance, retomando os grandes temas do folhetim televisivo e fazendo do Palais des Papes um alto lugar do esoterismo.

O Palais des Papes na arte

A mais antiga representação do Palais des Papes encontra-se na Capela do Saint-Sacrement da Colegiada de Saint-Barnard, em Romans-sur-Isère. Uma das suas arcadas está decorada com um afresco do século XV representando a lenda dos santos vieneses Exupère, Félicien e Séverin, ajoelhados aos pés dum papa que os acolhe abençoando-os frente ao palácio.

O Retábulo do Crucifixo de Antoine Rozen, pintado em 1520, é considerado como a segunda mais antiga representação realista do palácio. Esta tela mostra, da direita para a esquerda, a Torre da Campane, que ainda possui o seu tecto quadrangular, o campanário do sino de prata, as duas torretas octogonais encimando a entrada do palácio (demolidas em 1770), o caminho de ronda coberto ao longo da fachada, a Torre da Gache, que domina o conjunto de edifícios antes da sua demolição em 1665. É de notar, de cada lado da Porta dos Champeaux, a posição das defesas avançadas, as quais já não se encontram nessa forma nas representações dos séculos seguintes.

O desenho, perfeitamente realista, do Palais des Papes executado em 1617 pelo padre jesuita Étienne Martellange deixa transparecer notáveis diferenças entre o retábulo de Rozen e o aspecto que lhe conhecemos hoje, nomeadamente ao nível dum pórtico à entrada do palácio. Difere daquele presente no quadro pintado em 1766, por Claude Marie Gordot, sobre o Cortejo do Vice-legado e cuja acção principal se situa na esplanada frente ao palácio. Não sendo personagem principal do quadro mas elemento decorativo, o palácio, situado no terço direito do quadro, é representado em perspectiva, mas lá, a entrada ainda é diferente daquela que conhecemos actualmente. Esta entrada diferente também se encontra na gravura de Lemaire realizada, a partir dum desenho de Boucherel, no início do século XIX. Se o ravelim e as defesas avançadas, ainda em bom estado, vão subsistir até 1857, o châtelet da Torre da Campane, assim como as ameias, desapareceu e as torretas octogonais foram demolidas, em 1770, aquando da ocupação francesa. Este documento iconográfico, além do seu interesse artístico, mostra sobretudo o estado de decadência desta fachada do palácio da qual, como nos recorda Viollet-le-Duc: "A parte superior (…) ainda estava intacta no começo do século; a obra foi arrasada ao nível do caminho de ronda depois de então".

Entre as representações mais recentes, num estilo artístico diferente, vários artistas pintaram o conjunto Ródano - Ponte de Avinhão - Palais des Papes - Rochedo dos Doms, metendo frente a frente um ou outro destes elementos. Quando James Carroll Beckwith pintou Le palais des papes et le pont d'Avignon, o palácio em si mesmo está, de facto, presente no canto superior direito em menos dum sexto do quadro, enquanto que o Ródano cobre metade. Paul Signac, com o seu quadro Le Palais des Papes, representa uma vista senseivelmente orientada da mesma maneira, mas embora a proporção acordada da Ponte de Avinhão (na parte esquerda do quadro) se mantenha sensivelmente a mesma, o ângulo escolhido recentra o palácio, tornando-o muito mais importante e quase apagando, de facto, o Rochedo dos Doms. As proporções escolhidas pelo autor parecem, mesmo, exageradas, a fim de lhe dar uma importância maior. Com uma orientação diferente, provavelmente a partir da Ilha da Barthelasse ou de Villeneuve-lès-Avignon, Adrian Stokes, para o seu Le palais des papes d'Avignon, comprime o palácio e a ponte na metade direita do quadro para fazer sobressair a colina do Rochedo dos Doms, e ainda lhe acrescenta vegetação.

O Palais des Papes e a filatelia

No dia 20 de junho de 1938, um selo, desenhado por André Spitz e gravado por Jules Piel, dum valor facial de três francos, foi emitido pelos Correios franceses.

Todos os anos, a partir de 1960, é organizada, pela Société philatélique Vauclusienne et Provençale (Sociedade Filatélica Vauclusiana e Provençal), uma Journée du Timbre ("Jornada do Selo") em Avinhão, para a qual são editadas cartas com uma vista da Ponte Saint-Bénezet e do Palais des Papes como ilustração principal.

Em 1997, a administração postal das ilhas Wallis e Futuna, pelo 50º aniversário do Festival de Avinhão, consagrou uma das suas emissões a esta efeméride. O timbre postal, com o valor de 160 francos, representa ao meio símbolos do teatro, da dança e da música, o Palais des Papes iluminado por um fogo de artifício.

Em homenagem a Jean Vilar, os correios emitiram, no dia 8 de junho de 2001, um selo de duplo valor facial de 3 francos e 0,46 euros, com o Palais des Papes em fundo.

Em 2009, a administração postal francesa emitiu um selo com o valor facial de 0,70 euros. Esse selo representando o Palais des Papes no seu conjunto visto de oeste, foi desenhado e gravado por Martin Mörck.

O Palais des Papes na comunicação social

Desenrolara-se várias emissões de televisão tanto dentro do palácio (Des racines et des ailes), como nas proximidades directas (Tenue de soirée de Michel Drucker).

No domingo, 15 de julho de 2007, Franck Ferrand consagrou-lhe metade da emissão, na Europe 1, tendo como convidada Cécile Blanc, uma guia conferencista do palácio.

Além disso, no contexto do festival, acontece que rádios se instalam no Palais des Papes pelo período dum serão. Foi o caso da France Culture, no dia 9 de julho de 2007, que emitiu em directo e em público a partir do pátio de honra, para a leitura de Quartett de Heiner Muller, por Jeanne Moreau e Sami Frey. A France Culture emitiu, ainda, extractos da Divina Comédia de Dante por Valérie Dréville e cinco comediantes.

Ao longo de 2007, foi rodado dentro do Palais des Papes um folhetim televisivo sobre o tema do esoterismo, intitulado La Prophétie d'Avignon. Esta co-produção franco-suíça em oito episódios de 52 minutos, foi difundida na Suíça a partir de 5 de agosto de 2007, na estação TSR1, e em França a partir de 28 de agosto na France 2.

Notas e referências

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Bibliografia

Ligações externas

  • «Website oficial do Palácio dos Papas» 
  • «Reportagem sobre o Palais des Papes no site horizon-provence.com» 

Text submitted to CC-BY-SA license. Source: Palácio dos Papas de Avinhão by Wikipedia (Historical)


Códice de Las Huelgas


Códice de Las Huelgas


O Códice Musical de Las Huelgas (Burgos, Mosteiro de Las Huelgas, Codex IX) ou em latim Codex Las Huelgas (Hu) é um manuscrito medieval copiado no início do século XIV no mosteiro cisterciense de monjas de clausura de Santa María la Real de Las Huelgas, próximo a Burgos. Contém obras musicais pertencentes a um período da música medieval conhecido como Ars antiqua. É o único manuscrito com polifonia da Idade Média que ainda se conserva no lugar de origem e pertence à mesma ordem onde foi copiado já há mais de sete séculos.

O manuscrito foi descoberto em 1904 por dois monges beneditinos do Mosteiro de Santo Domingo de Silos, Casiano Rojo e Luciano Serrano, quando buscavam códices gregorianos. Porém, só se tornou amplamente conhecido após a publicação pelo musicólogo catalão Higinio Anglès de seu trabalho "El Còdex Musical de as Huelgas. Música a veus dels segles XIII-XIV", em 1931, no qual inclui-se um fac-símile do manuscrito. Seu descobrimento tornou manifesta a prática da composição e execução da música polifônica na península ibérica durante a Idade Média, questão que havia estado em dúvida até então.

Posteriormente, em 1982, o musicólogo Gordon Athol Anderson realizou uma nova e controvertida transcrição do repertório em seu livro "The Huelgas Manuscript, Burgos, Monasterio de Las Huelgas".

Lista de obras

Concordâncias com outros manuscritos e fragmentos:

  • [MAD] Códice de Madrid (Madrid, Biblioteca Nacional, Mss. 20486)
  • [CAL] Codex Calixtinus (Santiago de Compostela, Arquivo da Catedral)
  • [ORF] Barcelona, Biblioteca del Orfeó Catalá, Ms. 1
  • [TOR] Tortosa, Arquivo da Catedral, Ms. 135
  • [RIP] Barcelona, Arquivo da Corona de Aragón, Ripoll 139 (Fragmento procedente do Mosteiro de Ripoll)
  • [BUR] Burgos, Arquivo da Catedral, Ms. 61. Fragmento 2
  • [BAR] Barcelona, Biblioteca Central, M. 853
  • [BCE] Barcelona, Biblioteca Central, M. 911
  • [BNA] Madrid, Biblioteca Nacional, Mss. V 21-8
  • [TAC] Tortosa, Arquivo da Catedral, Ms. 133
  • [TOL] Toledo, Biblioteca Capitular, Ms. 35.10
  • [URG] Seo de Urgel, Igleja da Piedad. "Missale mixtum". "Prosarium"
  • [MBN] Madrid, Biblioteca Nacional, Mss. 19421
  • [LER] Lérida, Arquivo da Catedral, Ms. 8
  • [TAR] Tarragona, Arquivo diocesano, cód. 39
  • [MAB] Madrid, Biblioteca Nacional, Mss. 20324

As obras compostas com segurança por Johannes Roderici, que levam a inscrição "Johannes Roderici me fecit" são as seguintes quatro:

  • 173. Benedicamus, sane per omnia
  • 174. In hoc festo gratissimo
  • 178. Benedicamus, o quam sanctum
  • 183. Benedicamus virgini matri

Há outras três que, apesar de serem anônimas, poderiam também atribuir-se a J. Roderici:

  • 179. Iste est Iohannes
  • 181. Benedicamus, o quam preciosum
  • 182. Iste est Iohannes

Discografia

A seguinte discografia ordenou-se por ano de gravação, mas a referência é a da edição mais recente em CD. Não se incluem as recompilações, só os discos originais.

  • 1970 - [ATR] El Códice de las Huelgas (S.XII-XIV). Coro de monjas do Mosteiro de Las Huelgas. Atrium Musicae. Gregorio Paniagua. JL. Ochoa de Olza. Colección de Música Antigua Española. Hispavox. [1]
  • 1976 - [SFM] Planctus. Studio der frühen Musik. EMI "Reflexe" 1C 063-30 129 (LP). [2]. Edição em CD junto com outras gravações em: Reflexe Vol. 5 - Stationen Europäischer Musik. [3]
  • 1989 - [NLC] The Pilgrimage to Santiago. New London Consort. Philip Pickett. L'Oiseau-Lyre. [4]
  • 1992 - [SEQ] Codex Las Huelgas. Sequentia. Barbara Thornton, Benjamin Bagby. Deutsche Harmonia Mundi 05472 77238 2. [5]
  • 1992 - [DIS] Femmes mystiques, XIIIe Siecle. Codex Las Huelgas. Discantus. Brigitte Lesne. Opus 111 OPS 30-68. [6]
  • 1993 - [HUE] Codex Las Huelgas. Huelgas Ensemble. Paul van Nevel. Sony SK 53 341. [7]
  • 1993 - [BIN] Ecole de Notre-Dame de Paris. Permanence et Rayonnement XIIe, XIIIe et XIVe siècles. Ensemble Gilles Binchois. Dominique Vellard. Harmonic 9349. [8]
  • 1994 - [CEL] Celi Domina. El culto a la Virgen en la música de la Edad Media. Alia Mvsica. Miguel Sanchez. Gober G-30595-2. [9]
  • 1994 - [SIX] Haec Dies. Easter at Notre Dame Paris c1220. Les Six. Move MD 3144. [10]
  • 1995 - [MIC] In Festa. Calendimaggio di Assisi. Ensemble Micrologus. Micrologus 0001. [11]
  • 1996 - [EWI] Du Grégorien à Pérotin. Ensemble Witiza. Arsonor 001-2. [12]
  • 1997 - [TRE] Le Codex Las Huelgas. Chants polyphoniques espagnols du XIIIe siècle. Ensemble Tre Fontane y Dames de Choeur. Alba musica AL 0397. [13]
  • 1997 - [SAR] Fallen Women. Women as Composers and Performers of Medieval Chant. Arab-Byzantine Chant. Sarband. Jaro 4210-2. Dorian 93235. [14]
  • 1997 - [THE] Monastic Song. 12th Century Monophonic Chant, Peter Abelard, Codex Las Huelgas. Theatre of Voices. Paul Hillier. Harmonia Mundi USA HMU 90 7209. [15]
  • 1998 - [MOR] Chants d'Hildegard von Bingen - Manuscrit de Las Huelgas. Mora Vocis. Mathoeus 98 R 2. Mandala 4951. [16]
  • 1998 - [EVF] Chants mystiques des abbayes cisterciennes. Ensemble Venance Fortunat. Anne-Marie Deschamps. L'Empreinte digitale ED 13 106 . [17]
  • 1998 - [VOC] Codex Las Huelgas - Polifonía inédita. Voces Huelgas. Luis Lozano. Sony SK 60844. [18]
  • 1998 - [LOZ] Codex Las Huelgas - Misa Santa Maria la Real. Voces Huelgas. Luis Lozano. Sony SK 60846. [19]
  • 1998 - [COD] Por que trobar é cousa en que iaz. Martín Códax. Grupo de Música Antigua de Compostela. Fernando Olbés, Miguel A. López. Clave Punteiro 9107. [20]
  • 1999 - [UNI] Unica Hispaniae. Alia Mvsica. Miguel Sanchez. Harmonia Mundi HMI 987021. [21]
  • 2000 - [WIT] Lux æterna. Les 4 planctus du Codex Las Huelgas - La messe des Défunts grégorienne. Ensemble Witiza. Luis Bárban. Musica Ficta 04/2002-01. [22]
  • 2000 - [CJO] Stella splendens. Bois de Cologne e Maria Jonas. Marc Aurel Edition MA 20003. [23]
  • 2000 - [DIF] Diferencias - A Journey through Al-Andalus and Hispania. Codex Huelgas, Villancicos. Ensemble Diferencias. Conrad Steinmann. Divox Antiqua CDX-79809. [24]
  • 2001 - [FOR] Chants de l'amour divin. Chants des monastères féminins. Ensemble Venance Fortunat. Anne-Marie Deschamps. L'Empreinte Digitale ED 13133. [25]
  • 2002 - [BES] Bestiario de Cristo. Alia Mvsica. Miguel Sanchez. Harmonia Mundi HMI 987033. [26]
  • 2002 - [FLE] Temple of Chastity. Codex Las Huelgas - Music from 13th century Spain. Mille Fleurs. Signum 043. [27]
  • 2002 - [LIG] Iberica. Polyphonies sacrées de la péninsule ibérique - XIIIe siècle. Ensemble Ligeriana. Katia Caré. Jade 198 988-2. [28]
  • 2003 - [NYE] Music of Medieval Love. Women as Performers, Subjects and Composers. New York's Ensemble for Early Music. Frederick Renz. Ex Cathedra EC-9005 (70070-29005-2). [29]
  • 2005 - [CLE] La Messe de Tournai - Codex Musical de las Huelgas. Clemencic Consort. Choralschola der Wiener Hofburgkapelle. René Clemencic. Oehms Classics 361. [30]
  • 2005 - [OBS] La Fête des Fous. Obsidienne. Emmanuel Bonnardot. Calliope CAL 9344. [31]

Referências e bibliografia

  • Hoppin, Richard H. (2000). La Música medieval. Madrid: Editorial Akal. ISBN 84-7600-683-7 
  • Fernández de la Cuesta, Ismael (1983). Historia de la música española. Vol 1. Desde los orígenes hasta el ars nova. Madrid: Alianza Editorial. ISBN 84-206-8501-1 
  • Rubio, Samuel (1983). Historia de la música española. Vol 2. Desde el Ars Nova hasta 1600. Madrid: Alianza Editorial. ISBN 84-206-6474-X 
  • Anglès, Higinio (1931). El Còdex Musical de as Huelgas. Música a veus dels segles XIII-XIV. 3 vols. Barcelona: Institut d'Estudis Catalans  Contém um facsímile do manuscrito.
  • Anderson, Gordon Athol (1982). The Huelgas Manuscript, Burgos, Monasterio de Las Huelgas. 2 vols. Corpus Mensurabilis Musicæ 79, American Institute of Musicology. Neuhausen-Stuttgart: Hänssler Verlag  Contém a transcrição em notação moderna.
  • Asensio Palacios, Juan Carlos (2001). El Códice de Las Huelgas. Madrid: Alpuerto y Fundación Caja Madrid. ISBN 84-381-0314-x 
  • Fernández de la Cuesta, Ismael (1980). Manuscritos y fuentes musicales en España. Edad Media. Madrid: Alpuerto. ISBN 84-381-0029-5 
  • Pla, Roberto. Artigo no disco El Códice de las Huelgas (S.XII-XIV). Coro de monjas do Mosteiro de Las Huelgas. Atrium Musicae.

Ligações externas

  • Artigo de Juan Carlos Asensio El Codex Las Huelgas na revista Goldberg
  • Artigo "Sources, MS, §V: Early motet 2. Principal individual sources." de Ernest H. Sanders e Peter M. Lefferts em Grove Music Online. (em inglês) - acesso por assinatura
  • Artigo "Roderici, Johannes [Rodrigues, Johan]" de Michael O'Connor en Grove Music Online. (em inglês) - acesso por assinatura
  • Resenha em DIAMM (Digital Image archive of Medieval Music)[ligação inativa] (em inglês)
  • Resenha do livro de Gordon A. Anderson em The American Institute of Musicology (em inglês) - Há dois PDFs com a lista de obras.
  • https://web.archive.org/web/20060623152059/http://todoenciclopedias.com/testimonio/codicehuelgas.html

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